No meio de tudo, uma mão-cheia de esperança
Nos últimos anos a Europa tornou-se um projeto dependente: militarmente dos Estados Unidos, energeticamente da Rússia e industrialmente da China
Não há mais nada que não nos aconteça. Depois de uma pandemia, com graves consequências económicas e sociais, depois de uma crise energética e constrangimentos nas cadeias de abastecimento, depois de uma crise política e eleições antecipadas, chegou-nos uma guerra.
Quem me conhece sabe que mais do que um otimista sou um esperançoso, e apesar de tanta coisa má que está a acontecer, há um virar de página que pode abrir outro capítulo na nossa história. Aqui fica uma mão-cheia de coisas positivas:
1. A pandemia já tinha demonstrado a necessidade do reforço da intervenção do Estado, e dos governos investirem na saúde como segurança e qualidade de vida, no apoio às empresas como forma de crescimento económico e criação de emprego, no suporte social como capacitação de pessoas e criação de oportunidades, e agora com a guerra, na defesa do país como meio de garantir a soberania e a liberdade.
2. As lideranças são mais importantes do que o poderio económico ou militar de um país. Isso viu-se na postura corajosa do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que ofuscou o todo poderoso Vladimir Putin. Mas também viu-se na postura de António Costa que deu instruções às embaixadas na Ucrânia e nos países vizinhos para facilitar as emissões de vistos para quem deseje vir para Portugal, afirmando que os ucranianos, que são já a segunda maior comunidade estrangeira residente no nosso país, “são bem-vindos a Portugal”. E se Portugal enviou equipamento militar para apoiar a Ucrânia e esteve na linha da frente para aplicar sanções à Rússia, o líder do PSD, Rui Rio, naquele estilo em que não acerta uma, disse que a UE devia medir consequências antes de avançar com mais sanções contra Rússia. Imaginem se fosse ele o Primeiro-Ministro de Portugal…
3. A opinião pública internacional e a coragem do povo ucraniano foram fundamentais para que os governos agravassem as sanções contra a Rússia e não tivessem medo de Putin, isolando-o neste seu ato de guerra. Tenho também de destacar os milhares de russos que se posicionaram contra a invasão da Ucrânia e que acabaram por ser detidos, enfrentando o regime do seu país. Razão pela qual não se deve confundir a decisão de invasão de Putin a um país soberano, com a vontade e a postura do seu povo, todo ele condicionado nas suas liberdades e que não se revê nesta guerra. Quem está mal não é a Rússia, é o presidente da Rússia. Há uma lição a tirar destes exemplos de cidadania, seja em Kiev, em Moscovo ou em Lisboa: a força está e estará sempre com o povo, seja contra Putin ou contra a extrema-direita que cresce no nosso país. Não podemos nunca ter uma atitude passiva e de medo na defesa dos princípios da liberdade, da democracia, da justiça e da soberania. E quando estão em causa esses princípios, não nos resta alternativa que não seja a de lutar por eles, seja de que forma for.
4. O valor da paz e o fim da guerra, defendido por tantos nas redes sociais, deve fazer sobressaltar as consciências de muitos desses, que no seu bocado de mundo fartam-se de levantar guerras e criar conflitos estéreis com gente que está em paz, sem nenhum propósito que não seja o de prejudicar os outros. Acredito na bondade humana e espero que esta guerra sirva para que muitos acabem com as “guerrinhas” que provocam à sua volta.
5. A União Europeia, com a pandemia e agora com esta guerra, demonstrou que tem de ser, mais do que tudo, uma Europa unida. Foi para isso que foi criada e é essa a única forma de nos sentirmos verdadeiramente europeus, e em conjunto construirmos este projeto. Uma Europa, com toda a diversidade histórica e cultural, que se assume como exemplo político, económico e social para o mundo. Coisa que Putin procura quebrar, seja com o apoio e financiamento a partidos de extrema-direita europeus, seja com esta guerra. Se Putin ganha, a Europa perde toda a sua força política e estratégica, além de colapsar a sua segurança estrutural. Nos últimos anos a Europa tornou-se um projeto dependente: militarmente dos Estados Unidos, energeticamente da Rússia e industrialmente da China. Este é o momento de criar condições para a auto-suficiência em vários sectores da nossa economia, de fazer em definitivo a transição climática acabando com a dependência dos combustíveis fósseis, de ter uma verdadeira política comum de defesa, de aprofundar a integração dos países que atualmente constituem esta União e de promover o alargamento a novos países como a Ucrânia.