Análise

A ilha dos lesados

Ser madeirense é também pertencer à tribo que mais sofre com decisões soberanas

Não deve haver na ultraperiferia global tanto lesado como na Região. Todos conhecemos alguém que, de forma consentida ou por distracção, por ganância ou boa fé, ou simplesmente por existir e aqui viver, já foi ludibriado e penalizado, perdendo tempo ou dinheiro, fama ou proveito, amigos e família. Uns foram enganados pela banca que prometia rendimentos acima da média em produtos financeiros especiais que transformou remediados e poupados em gente tecnicamente pobre e farta de promessas políticas. Outros permitiram a intrusão dos vendedores de sonhos e de esquemas piramidais, e se houve quem comprasse cofres, carros de topo de gama, casas com piscina e férias para toda a vida, há gente que não teve oportunidade de se despedir antes de partir para o desconhecido ou continua refém de calotes impagáveis. Muitos também acreditaram em contratos sem ler as letras miudinhas, no passaporte para emigração alegadamente próspera ou para os jogos de sorte e azar, de sedução e de perdição. As cadeias, as clínicas de reabilitação, as casas de saúde e até as ruas estão cheias de histórias que confirmam haver na ilha uma propensão inusitada para a exposição ao risco elevado. Nem sempre temos culpa própria no logro, dado que há decisões soberanas que nos tiram do sério e do processo em que julgávamos estar protegidos. O último crime de lesa-majestade ocorreu na última semana, qual murro no estômago vazio num ano ainda mal nutrido, deixando numa encruzilhada quem julgava ser desta que a retoma ganhava pujança. Que o governo britânico tenha riscado Portugal da ‘lista verde’ deixando quem aqui vive do Turismo em desespero é um facto. Logo, nas próximas três semanas mais do que esbracejar e atirar culpas indiscriminadamente é melhor cuidar de baixar índices e internamentos, pois caso contrário o Verão turístico à custa dos ingleses em Portugal estará irremediavelmente perdido.

Que depois da primaveril invasão por ocasião da ‘Champions’ - com um ministro metido ao barulho e apenas com protecção das vistosas ‘bolhas’ de cerveja - o tenha feito sem qualquer rigor científico e com argumentação alusiva a variantes quase sem expressão em Portugal, logo, sem nexo aparente, é assunto para especialistas.

Que não tenha tido em conta, pelo menos até agora, as especificidades de destinos seguros como a Madeira e os Açores é lamentável.

Que não tenha sentido de justiça e use argumentos de carácter duvidoso que até colhem de surpresa os cidadãos ingleses é assunto do foro interno para tirar a limpo, porventura, em próximas eleições.

Que continue a gerir a crise pandémica como se estivesse em Março de 2020, como se metade da população já não tivesse sido vacinada e como se não houvesse maior resistência ao vírus é de uma irracionalidade atroz.

Que tenha optado por incentivar o turismo interno com a imposição de quarentenas a quem ouse sair do País é uma hipótese como tantas outras.

Agora que por cá a malta se conforme e não procure alternativas aos tradicionais ingleses é confrangedor porque é nesta hora que os mais frágeis da sociedade precisam da audácia, perseverança e resiliência daqueles de quem habitualmente esperamos golpe de génio e soluções duradouras.

Que por cá a malta fã do contencioso permanente com Lisboa, como o centrista Lopes da Fonseca, prefira disparar contra a “inércia” do Governo da República, enquanto o governante Eduardo Jesus tenta diplomaticamente sensibilizar o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Embaixador de Portugal no Reino Unido para pugnarem junto das autoridades inglesas por uma possível diferenciação e reversão da decisão ontem tomada é daqueles erros de palmatória que só são tolerados porque o presidente do governo esteve de férias e porque numa coligação colada a cuspo cada um diz o que lhe apetece. Os eventuais lesados das coloridas listas inglesas já sabem a quem enviar a factura e onde ensaiar a próxima manifestação.