Artigos

A marquise e o xadrez

Estou desiludida contigo, pequeno de Santo António. Até parece que não cresceste na Madeira. Quando comecei a aperceber-me da polémica sobre a tua marquise, percebi que te esqueceste das origens, porque se te lembrasses a sério da ilha onde nasceste, tinhas feito um xadrez. Sabes, na minha infância vivi no Bairro dos Moinhos, um bairro de classe média, trabalhadora, em que as crianças brincavam na rua todos os dias e entravam nas casas uns dos outros pelo xadrez, que era onde as mães e as avós tinham tudo o que não queriam dentro de casa, incluindo os filhos e os pequenos da vizinhança.

Eu sei, compraste um apartamento pequeno e quando mostram que tens ginásio em casa e sala de cinema deve ser invenção, porque caso contrário não vejo porque fizeste a marquise. Espero que tenhas posto ar condicionado, senão vais sentir calor, mas previdente como és, não duvido. Agora, pensa comigo. Acho que não aprendeste nada sobre xadrez.

Não te preocupes, eu também não sabia até 2003, quando paguei 40 dólares para visitar Olinda, no Nordeste Brasileiro e o guia estava todo entusiasmado para mostrar a gaiolinha, uma construção típica portuguesa, que ainda por cima era o último exemplar que tinha naquela cidade Património Mundial. Para ele, a maravilha de ser uma estrutura em que se podia ver de dentro para fora e não se ver nada de fora para dentro, justificava a subida íngreme pelo empedrado. Imaginas o meu espanto quando vi que o tipo nos mostrou um xadrez. Acredita, os continentais ficaram maravilhados, eu pensei em quantos daqueles havia no Bairro dos Moinhos (casa sim, casa sim) e no dinheirão que se ia fazer em Câmara de Lobos se fossem os brasileiros a levar “camones” para as excursões. Olha, na véspera dessa levaram-me a uma usina, para me mostrar todo o processo de fabrico de açúcar e aguardente e de repente pensei que lá tinham ido mais 40 dólares para visitar uma coisa igual ao engenho da Calheta e ver canas de açúcar.

Acho que falhaste redondamente ao não fazer em Lisboa um xadrez. Podias ficar mais resguardado e como não se vê de fora para dentro, ninguém teria percebido que tinhas feito um ginásio. Podias fritar uns chicharrinhos, pôr uma máquina de costura para a Gio fazer umas bainhas das calças dos pequenos e até uma tábua de engomar, como todos tínhamos na Madeira, nas nossas edificações majestosas em xadrez que nenhum continental conhece. Tinhas era de acertar na cor, por cá tínhamos a mania de os pintar com a tinta que estivesse mais perto. E olha, se um dia precisasses, espero bem que não, podias fazer excursões a 40 dólares ao teu terraço, para vermos a última gaiolinha de Portugal. E até podias inglesar a coisa: “Chess by CR7”.