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Presidente da República defende investigação à situação dos trabalhadores de Odemira

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Foto Lusa

O Presidente da República considerou hoje necessário investigar "o que há de ilegal" e "se há algo de criminoso" na situação dos trabalhadores agrícolas imigrantes no concelho de Odemira, Beja, garantindo que está "a acompanhar a situação".

"Tenho ouvido e falado com o maior número de pessoas para recolher informações, mas na matéria de apuramento da legalidade e, eventualmente, de situações criminais há entidades especializadas para tal, que importa saber se estão a investigar", disse Marcelo Rebelo de Sousa

O chefe de Estado abordou o tema à margem de uma visita à Escola Carolina Michaëlis, no Porto, no âmbito do Dia Mundial da Língua Portuguesa, que hoje se assinala, mas no final lembrou a "importância dos imigrantes para economia e sociedade portuguesa" e apontado que "vale a pena refletir sobre o caso de Odemira".

"Infelizmente, pode haver mais clandestinos do que pensávamos. Temos de apurar o que há de ilegal e se há algo de criminoso. Não podemos explorar a mão de obra imigrante, temos de a tratar de forma humana, com dignidade que nossa Constituição dita", disse Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República apontou a necessidade de "compreender estas realidades sociais" e não evitou uma crítica aos setores da sociedade que se demonstram desfavoráveis à presença de imigrantes em território nacional.

"[Para alguns] É muito bonito dizer que imigrantes não, mas depois descobrem que imigrantes sim quando dão jeito para fazer o que os portugueses não fazem. Mas já não dão jeito para terem os direitos que deviam ter. Temos de apurar se em relação a essa imigração de maior rotação há legalidade ou não", reiterou Marcelo Rebelo de Sousa.

Questionado se esta questão da imigração, e mais concretamente o caso dos trabalhadores agrícolas em Odemira, belisca a imagem de Portugal no exterior, o chefe de Estado considerou que a mesma deixa "mais vulnerável a imagem entre os portugueses".

"Gostamos, e bem, do que há de bom em Portugal, mas ao mesmo tempo temos de ter os olhos abertos e sermos lúcidos do que há menos bom em Portugal. Nesta fase pós pandemia não é a reconstrução económica a mais importante, mas sim a reconstrução social", sublinhou.

Marcelo Rebelo de Sousa defendeu ainda que o problema sanitário no concelho alentejano "precisa de uma evolução positiva, encontrando formas de quebrar as candeias de contágio [da covid-19]".

Observatório diz que condições de trabalhadores em Odemira "envergonham" Estado

As condições dos trabalhadores agrícolas em Odemira, onde existe uma cerca sanitária devido à covid-19, "envergonham" o Estado, criticou hoje o Observatório dos Direitos Humanos e das Prisões do Conselho Regional de Évora da Ordem dos Advogados.

"As miseráveis condições de habitabilidade, insalubridade e as gritantes violações dos direitos humanos a que se encontram sujeitos, bem como o abandono a que foram votados, pela inércia ou inépcia das diversas instituições e responsáveis políticos, há muito conhecedores desta realidade, envergonham seguramente o Estado português", afirma o observatório, em comunicado.

Contactada hoje pela Lusa, a presidente do Observatório dos Direitos Humanos e das Prisões do Conselho Regional de Évora (CRE) da Ordem dos Advogados (OA), a advogada Carla Marques Pinto, sublinhou que "já não restam dúvidas" de que este caso representa "uma violação gritante dos direitos humanos".

"Num ano em que Portugal preside à União Europeia, é, de facto, uma vergonha que, num Estado que se quer moderno e de Direito, se permita" esta situação, a qual ocorre "descaradamente", porque "está noticiada e não é possível ignorá-la", vincou.

Carla Marques Pinto acentuou que "as condições degradantes e miseráveis" em que vivem trabalhadores agrícolas no concelho de Odemira, sobretudo migrantes, são "conhecidas, há muito, do poder político e das instituições".

"É uma realidade que toda a gente conhecia e que a covid-19 só veio agora 'pôr a nu'", salientou, insistindo que "os vários poderes políticos que foram passando ao longo desta década, pelo menos, têm conhecimento do que se passa", assim como "qualquer cidadão atento".

A advogada indicou que o observatório já acompanha a situação dos trabalhadores agrícolas em Odemira "há algum tempo", adiantando que esta comissão vai continuar atenta e a fazer "tudo o que estiver ao seu alcance" para a resolução do problema.

No comunicado, o Observatório dos Direitos Humanos e das Prisões do CRE da OA frisa que "milhares de trabalhadores imigrantes, na legítima busca por melhores condições de vida, acabaram sujeitos, em território nacional, a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes".

"Não ignoramos, naturalmente, a complexidade do problema, mas também não podemos olvidar os inúmeros alertas e apelos que foram feitos ao longo dos anos pelos mais diversos setores da sociedade, na tentativa de encontrar uma solução que permitisse conferir dignidade a estes trabalhadores", realça.

O observatório apela à criação de "condições estruturais que permitam resolver o problema de fundo", as quais vão "indubitavelmente muito para além da resolução imediata do controlo da propagação do SARS-CoV-2".

Lançado em julho de 2020, o Observatório dos Direitos Humanos e das Prisões da Conselho Regional de Évora da OA visa fazer o acompanhamento regional de situações de defesa dos direitos humanos nos distritos de Beja, Évora, Portalegre, Santarém e Setúbal.

O Governo decidiu decretar uma cerca sanitária às freguesias de São Teotónio e de Almograve, no concelho de Odemira, devido à elevada incidência de casos de covid-19, sobretudo entre trabalhadores do setor agrícola.

António Costa sublinhou que "alguma população vive em situações de insalubridade habitacional inadmissível, com hipersobrelotação das habitações", relatando situações de "risco enorme para a saúde pública, para além de uma violação gritante dos direitos humanos".