Perspectivas

Tenho um neto com 3 anos que é um espectáculo; aliás, como o são, todos os netos de 3 anos, para todos os avôs do mundo...

No outro dia a minha nora, sua mãe, enviou-me uma fotografia dele, confinado, mas, no seu Carnaval, com uma máscara, tipo Zorro, mas, verde ( do Gekko dos pjmasks, há que estar devidamente informado ). À noite, ao telefone, expliquei-lhe que quando o avô era pequeno teve uma máscara do Zorro, preta e que gostava de brincar. Ele interrompeu-me e disse-me:

· Olha, avô não gozes da minha máscara que ela é bem gira e é igual à do Gekko...!

Percebi, que para ele o importante é a sua máscara verde, igual à do Gekko, do mesmo modo que para mim foi a preta do Zorro, não há volta a dar; cada um com a sua e nenhuma é melhor que a outra.

Vem isto a propósito, das muitas opiniões e escritos, que tem suscitado a morte do Tenente Coronel Marcelino da Mata e do julgamento das suas acções. Li com particular atenção neste Diário, dois artigos de dois colunistas, um a 26/2 do Helder Melim, meu contemporâneo e outro a 27/2 do João Paulo Marques bastante mais jovem, ambos bem escritos, mas, com conteúdos e posicionamentos diferentes, o que respeito, mas, fundamentalmente com perspectivas diversas o que não deixa de ser interessante e enriquecedor e também muito importante para um debate, sério e isento, dessa fase da História de Portugal. Dois bons exemplos, sem dúvida!

Também li e ouvi de alguns quadrantes que se julgam “proprietários” do 25 de Abril e os “do lado certo” da “sua” razão, alarvidades, sem nexo e que, infelizmente demonstram a sua ignorância e falta de cultura e educação. Tristes! Fico particularmente sensibilizado com os que nasceram depois de Abril de 74 e que comentam e “julgam” períodos da História, como se tivessem assistido e vivido in loco. É realmente fantástico.

Para esses, gostava de deixar 2 ou 3 notas, ao acaso, para lhes “abrir” as mentes:

Eu e muitos outros tivémos o privilégio de ter vivido, antes do 25 de Abril e podemos aferir, com exactidão como as coisas eram e como, são hoje, independentemente da perspectiva, gostos e visão de cada um.

Convinha antes de emitir juízos de valor, sobre a guerra de África, ter a curiosidade de analisar, por exemplo, que se calhar as causas longínquas, remontam ao século XIX e ao mapa Côr de rosa e as próximas ao ano de 1961, no norte de Angola, onde o MPLA, partido com forte apoio de Cuba e da União Soviética de então, de forma traiçoeira, atacaram e massacraram ( por decoro não descrevo algumas das atrocidades )as populações, matando cerca de 1200 brancos e mais de 6000 negros, “isto”, só para começar a falar..., numa altura, em que bem ou mal e independentemente da côr estávamos a falar de portugueses.

· Antes de tentarem “julgar” a minha geração e as anteriores, acerca deste assunto, convém não esquecer, que estamos a falar dos mesmos que arriscando as suas vidas, fizeram e participaram no 25 de Abril e que possibilita, a alguns, hoje, festejarem efusivamente e de cravinho vermelho ao peito, com a baba a lhes escorrer dos queixos e com a soberba dos tontos. Mas, com todos os defeitos e falhas na hora da verdade e em português vernáculo, o que não há qualquer dúvida, é que tivémos que tê-los “no sítio”. Agora, é o momento de se concentrarem, mostrarem o que valem e ver o que vão apresentar aos nossos netos e ás gerações futuras.

Para terminar e não me querendo alongar, não resisto a contar uma história de vida, que é verdadeiramente o que me interessa, em termos humanos e participação cívica, transmitir e passar:

Um dia, no Campo de Golfe do Santo da Serra jogavam uma partida um grupo de jogadores, um deles o Senhor José da Luz Trindade, um “jovem” de perto de setenta anos, nessa altura, dos chamados sócios antigos e um rapaz dos trinta, dos chamados sócios novos e mulato ( faço referência à côr, porque à frente terão oportunidade de perceber a razão ). Havia uma tradição muito antiga no Clube, que o jogador que fizesse um par 3 ( o normal seria em 3 pancadas ), em apenas 2, teria “direito” de receber de cada parceiro a moeda de valor facial mais alta, que à época eram 200 escudos. O Senhor Trindade fez um campo em 2 pancadas o chamado “Birdie” e ficou à espera de receber o respectivo pagamento; os outros parceiros cumpriram, mas o rapazola, nada. Então o Senhor Trindade perguntou-lhe pela moeda e ele com toda a desfaçatez, respondeu-lhe: Ah! Isso é coisa dos velhos!!!

O Senhor José Trindade olhou-o de alto abaixo e respondeu-lhe:
· Sabe jovem, isto não é coisa de velhos ou novos
· De ricos ou pobres
· Nem sequer de pretos ou brancos, é apenas uma coisa de Senhores...!

O que se pode aprender, quando somos atentos e suficientemente humildes e abertos para receber e reter.

João Abel de Freitas