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Hospitalização Domiciliária - Sucesso com futuro

Este é um caminho urgente (certamente) face aos constrangimentos de internamento atuais

Citando António Costa e Silva: “Para o sucesso deste plano, é essencial a reforma da Administração Pública. Portugal tem hoje, e de há muitos anos, uma administração pouco criativa, orientada a ‘pareceres’ e não a decisões, processos e resultados.”

Volto a um tema que já apresentei algumas vezes, mas que, perante 10 meses de pandemia e grandes dificuldades na sua resolução - que na minha opinião de médico, não será resolvida por “magia”, mas sim com planeamento, vacinas e civismo. Entendo que o nosso SRS poderia ter feito mais, para acompanhar a “boleia” da Hospitalização Domiciliária que, como veremos, tem tido um desenvolvimento significativamente superior ao previsto neste mesmo período.

Este é um caminho urgente (certamente) face aos constrangimentos de internamento atuais, na minha modesta opinião, mas é sobretudo um caminho com futuro.

Como dizia o Coordenador Nacional para a Hospitalização Domiciliária, Dr. Delfim Rodrigues numa webinar a que assisti há já uns meses sobre esta temática, a tendência mundial (entenda-se dos países mais evoluídos) é convergir para 0 camas hospitalares, isto é, espaços físicos específicos em construções hospitalares que não estejam alocados a procedimentos clínicos mais exigentes, como por exemplo Cuidados Intensivos, Recobro, Serviços de Urgência, Cirurgias não ambulatórias, e outros, que continuarão a ser naturalmente necessários nos Hospitais.

A verdade é que, nos últimos 11 meses (de janeiro a novembro) no Portugal Continental este tipo de internamento subiu 1.013% (mil e treze por cento) ou seja cresceu a um ritmo mensal de 92% (SICA - ACSS). Este ritmo não vai diminuir, desde que não faltem os meios financeiros para apetrechamento dos meios técnicos, naturalmente necessários. E como já afirmei em artigos anteriores, este tipo de internamento é potenciador de economia, pelo que a aquisição destes meios será também natural e óbvia.

Segundo Miguel Sousa Tavares houve aumento de 67% - face ao ano anterior e só no 1º semestre - nas faltas dos funcionários que não estiveram dedicados ao Covid-19, pelo que não será por falta de recursos humanos especializados que até ao momento nada se fez nesta área (seu artigo “O desastre” publicado no Expresso de 15 de janeiro, ponto 1). Estes números são referentes ao Continente, mas não deverão ser muito diferentes na RAM.

Os benefícios são claros e já os referi no passado, no meu artigo de opinião DN 17/1/2020, hoje, como no futuro, as pessoas a necessitar de internamento gostariam de o fazer no seu domicílio. Claro que isto não será possível para todos, mas pelos estudos já conhecidos será viável para 46% dos internamentos hospitalares, baseado em experiências internacionais. Será possível para todos aqueles que até agora ficam no hospital em convalescença ou que sendo doentes crónicos, necessitam ir ao hospital rever terapêuticas ou acertos das mesmas ou por agravamento das suas situações clínicas. Todos estes poderão beneficiar duma orientação clínica à distância ou no seu serviço clínico dedicado, presencial ou domiciliado, por equipas moveis.

Em 27 de dezembro 2019 escrevi a 1ª vez sobre este tema, referindo-me ao orgulho que sentia ver o Hospital Garcia de Orta (que dirigi) que nessa data já tratara 1.277 doentes em domicílio (metade dos 2563 a nível nacional). E só neste hospital houve uma poupança de 1.357.337,35 euros. Com 4,60% de reinternamentos após 72 horas; 82 e 90% respetivamente, em satisfação de familiares e utentes. Nessa altura havia 23 hospitais aderentes e 4 anos de experiência. Hoje, e só nos primeiros 11 meses do ano de 2020, já foram tratados nas 32 Unidades aderentes, 4369 doentes o que equivale à construção física de um hospital de 300 camas.

Poderei ainda repetir todas as vantagens que este tipo de internamento traz quer para os pacientes, seus familiares e profissionais de saúde, mas estas evidências serão reais se experimentadas e, para isso, terão de ser previamente implementadas.

Temos de seguir a nossa intuição e acreditar que o que outros já fizeram, experimentaram e publicaram, nos garantem o sucesso. E esta é já uma experiência com 5 anos a nível nacional, em crescendo atual de 92% mensal e com tendência natural de contínuo sucesso. Isto, não só tendo em conta a nossa situação sanitária, como a economia real que ela promove.

Mas voltando a este meu artigo de opinião de 27 de dezembro de 2019 “Esta visão de Prestação deste Serviço Público aos utentes, é mais amigável para quem está doente e seus familiares e fundamental para quem dirige os hospitais. Todos ganham com este novo “serviço” já que melhora o bem-estar do doente, evita as infeções hospitalares (dados atuais indicam uma tendência para zero), diminui os encargos do estado e do doente com a sua recuperação (em cerca de 40%) e, humaniza o sistema, porque ficam ao cuidado dos familiares, em estreita cooperação com os técnicos de saúde.”

E ainda: “Este serviço de hospitalização domiciliária, poderá mesmo ser encarado como um prestador de serviços a outros serviços, em regime de Centro de Responsabilidade Integrado (está previsto na legislação que o suporta).

Sendo certo que deste modo será sempre motivador para todos e, os seus gastos/benefícios, transparentes e escrutináveis.”

Em 17 de Janeiro de 2020, o DN publicou outro artigo meu com o título “A importância da Hospitalização Domiciliária”, e deste meu artigo extraí do “Reporte da Hospitalização Domiciliária” (SICA – ACSS, Novembro 2019) que a seguir-se este exercício clínico, poderíamos aspirar a ter um ganho nacional de 479.800.000 € e mais abaixo concluo “Ora voltando aos ganhos evidentes com esta reorganização da estrutura Hospitalar, podemos afirmar sem qualquer hesitação que, no caso do SRS (da Madeira - acrescento agora) teríamos uma poupança mínima entre os 10 e os 12 milhões de euros, por ano. Obviamente para investir no SRS.”

Parafraseando João Vieira Pereira no seu artigo “Cai um avião a cada dia” publicado no Expresso do dia 15 de Janeiro: “E governar implica saber que é preciso fazer mais que responder. É preciso saber antecipar.”

Eu acrescento: governar é decidir!

Como António Damásio afirmou: “a verdadeira inteligência é a capacidade de prever o futuro” (ver programa “Deus Cérebro” transmitido na RTP1 dia 11 de janeiro).

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