Crónicas

O bom, o mau e o ajuste de contas

Não é só o fim da zona franca, é a sua morte absurda, injusta e premeditada que inquieta. Mas não surpreende

Portugal. País da Web Summit, do choque tecnológico, do 5G e onde a digitalização é lugar-comum nos discursos sobre economia. Esse país adiado é o mesmo que confia a eleição do seu Presidente ao pré-histórico Tribunal Constitucional. Os resultados estão à vista. Para concorrer, o candidato tem de apresentar, pelo menos, 7500 assinaturas acompanhadas de 7500 certidões de eleitor. São, no mínimo, 15 mil folhas de papel por candidato. Eduardo Batista entregou 6 assinaturas válidas e foi excluído. Como prémio de consolação, será o primeiro no boletim de voto. Tiago Mayan entregou as assinaturas necessárias, mas cometeu um erro fatal. Não agrafou as folhas de assinaturas às certidões. Deram-lhe 48 horas para substituir os clips por agrafos. Um dia, fiscalizarão a gramagem do papel. Só aí ficaremos, verdadeiramente, descansados.

O bom: Boaventura e Ponta Delgada

Na Madeira, a história das aluviões confunde-se com a história dos ilhéus. Alguns dirão que é a geografia que nos empurra para o confronto com a natureza, outros tantos, o preço que pagamos pelo histórico desafio à rocha dura e à montanha agreste. Seja qual for o prelúdio da narrativa, a conclusão é sempre a mesma. Caímos e levantamo-nos. Perdemos e reconstruímos. Talvez seja a conclusão a que estamos predestinados. A memória recente aponta-nos ao 20 de Fevereiro de 2010, talvez até ao 29 de Outubro de 1993. Mas os registos relembram-nos que, desde o início do século XIX, ocorreram mais de 30 aluviões na Madeira. A noite de Natal de 2020 trouxe mais um verso desse fado à Boaventura e à Ponta Delgada. Faltam palavras para explicar o som sibilante da água a correr, livre e desenfreada, pela rua abaixo. Preenchendo-a como se fosse uma ribeira, enquanto se acotovela por entre as casas e ameaça levar consigo os carros que assistem, impávidos, à sua fúria. E no meio da torrente violenta de água, lama e pedras, aquela gente aguentou-se. Por si, pelos seus, pelos vizinhos. Talvez por milagre. Talvez porque lhes está no sangue resistir. E, na manhã seguinte, estavam lá, de cabeça erguida e mangas arregaçadas, para cumprir a sua sina, que também é nossa. Recuperar, refazer e reconstruir. Foi essa a grande lição que as gentes da Boaventura e da Ponta Delgada nos deram. É preciso pôr mãos à obra, como vi das entidades públicas e privadas nos dias a seguir. Antes de pedir ajuda de fora, antes de reavivar contenciosos justos, mas cada vez mais gastos, é preciso fazer por quem precisa. Se não formos capazes de responder, com os nossos meios, então estamos a fazer muito pouco por aqui. E não se trata de recusar ajuda externa. Seja bem-vindo, quem vier por bem. Mas pelos nossos, primeiro temos de ser nós.

O mau: O ano de 2020

É difícil, em 2020, ver para além do vírus. O bicho foi ubíquo. Na televisão, nas redes sociais, em casa, no trabalho. Se a velocidade do contágio preocupa, a facilidade com que o vírus se assenhorou do espaço público assusta. É óbvio que este será lembrado como o ano da pandemia, mas, se quisermos ser meticulosos, encontramos nessa evidência uma contradição. Este também foi o ano da ciência. Nunca se falou tanto em vacinas, testes PCR, curvas epidemiológicas ou imunidade de grupo. Por outro lado, nunca foi tão difícil distinguir uma informação verdadeira de uma falsa. O uso de máscaras causaria problemas cognitivos, o vírus teria sido fabricado na China, a lixívia seria a cura para a COVID-19, a ligação entre a vacina e as redes 5G. Um mar infinito de mentiras. Por isso, 2020 também foi o ano da desinformação. É aí que está a contradição do nosso tempo. Nunca tivemos tanta informação e tanto conhecimento ao nosso dispor, no entanto, nunca se levantaram tantas dúvidas em relação a factos que, há anos atrás, seriam indesmentíveis. Esse é o resultado da falta de mediação que grassa nas redes sociais e nos movimentos populistas. Trocámos a representação pelo imediatismo, a informação mediada pela desinformação imediata. Também nisso, que 2021 seja melhor.

O ajuste de contas: A morte do CINM

Não é só o fim da zona franca, é a sua morte absurda, injusta e premeditada que inquieta. Mas não surpreende. A emboscada vem de longe e foi preparada com apuro. Em 2011, pela mão do sinistro Sérgio Vasques, secretário de estado de José Sócrates, tentaram pôr fim às negociações com Bruxelas. Para Vasques, carrasco de ocasião, a zona franca era uma coisa que não prestigiava o país. O mote estava dado. Mais tarde, Ana Gomes enviaria à Comissão Europeia uma carta fratricida, onde acusava, com especial ignorância, a zona franca dos maiores pecados. Seria deste borrão que nasceria a investigação que serviria de móbil para o golpe final. A regionalização do Centro Internacional de Negócios, pela mão de António Costa. A pressa era tanta que nem recorreram da decisão da Comissão. Todos socialistas, todos com sangue do Centro nas mãos. Nem lhe deram a misericórdia de uma morte limpa. Ficará, até 2027, a esvair-se de empresas e incapaz de se reerguer. Dizem-nos que tinha de ser assim, que somos um paraíso fiscal e isso não é aceitável na Europa. Esquecem-se das caixas de correio do Luxemburgo, do faroeste financeiro em Malta e das empresas portuguesas sediadas na Holanda. O mais absurdo é que o preconceito miserabilista da esquerda, apenas serve o interesse dos outros centros internacionais, que agora têm menos um concorrente.

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