Ano Esperança
2021 começa sob o signo da esperança. E hoje é o primeiro dia de uma grande esperança. Com o começo da vacinação no passado domingo em Portugal, a esperança de ultrapassarmos um pesadelo chamado Covid-19 ganha decisivo impulso e liga no mesmo desejo indivíduos e nações. O que ainda há seis meses era, face à pandemia, um sonho frágil a destacar-se dos contornos da utopia possível, tornou-se, antes de acabar o ano, concreta realidade da vacina em milhares de pessoas, criando-se assim fundadas esperanças para o lento regresso a uma certa normalidade da vida em sociedade.
2020 ficará com lugar certo na história do século XXI, como o ano do terrível vírus que expôs a vulnerabilidade da nossa suposta vida triunfante, agora no sabor amargo da globalização a tornar bem real a pandemia enquanto ameaça planetária: em poucos meses, milhões de infetados, centenas de milhares de mortos, o estiolar das economias, o cortejo dantesco do desemprego e da fome, mais a supressão radical da convivialidade das sociedades desenvolvidas. Entrámos num túnel de depressão e medo. Durante meses andámos “às apalpadelas” em torno do combate ao coronavírus, com os governos a ensaiarem metodologias e navegando à vista entre dois escolhos que aparentemente se digladiavam — ou a saúde, ou a economia. E assim passámos o primeiro confinamento: era o tempo da cantiga ingénua, mas esperançosa, do “vai ficar tudo bem”, quando nas ruas de muitas cidades europeias se batiam palmas aos heróis da frente, todo o pessoal da saúde a cuidar dia e noite dos milhares que sem parar iam chegando; era o tempo das decisões drásticas, quando os ventiladores não eram suficientes, quando não havia mais lugar nas morgues, quando as campas dos mortos eram abertas em série com maquinaria pesada. Tempos duros e opressivos de tristeza. Mas, já então tremeluzia, bruxuleante, uma luzinha de esperança. Veio o verão e o relaxamento; depois da ilusão coletiva quanto a já ter passado o pior, eis-nos em cheio na segunda vaga, onde ainda estamos, com muita “ginástica de cintura” para responder com alguma propriedade ao velho dilema: saúde ou economia. Ora, é no auge desta contenda que vai ressurgir, forte como nunca, uma nova esperança.
2020 ficará também como o ano da Ciência: nunca fora possível produzir uma vacina em tão pouco tempo e testar com eficácia a colaboração entre estados e nações, partilhando os avanços da investigação e da tecnologia em ensaios avançados, de pura cooperação entre laboratórios, hospitais e farmacêuticas. Isso fez-nos conhecer, também, o lado bom da globalização. Mas, por detrás desse imenso trabalho conjunto de partilha de conhecimentos e soluções, está, há que reconhecê-lo, uma imensa confiança na capacidade do homem para levar por diante o “bom combate”, sobretudo quando a humanidade mais sofre ou está em risco a sua sobrevivência. Fé no homem, fé na razão, fé na dignidade da vida que se supera continuamente e que na busca de um sentido — vivido, encarnado na existência pessoal e na aceitação do outro — se transcende a ela própria: mundo humano da vida, humanidade do mundo - casa comum.
2021 deverá ficar como o Ano da Esperança, a mais humana das virtudes, a que sempre nos empurra para fora do desespero: ela foi, nestes tempos sombrios, o verdadeiro “motor de busca” da solução por que, ansiosos, aguardávamos; ela recentra-nos na dimensão ética da luta global e — o amor não deixa ninguém para trás! — pelo agir confiante, vai transformar a promessa em inusitada vitória.