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Aprender cidadania na escola? Sim!

Uma sociedade só evolui quando é capaz de se confrontar com os seus traumas e pecados

A construção da cidadania é contínua numa sociedade humanista e democrática. Inspira sistemas educativos modernos, e radica no direito universal à Educação e à igualdade de oportunidades. No nosso país, a Educação para a Cidadania nasce dos princípios orientadores da nossa Constituição, consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986. Mas não só. Cumprir o imperativo da cidadania no quotidiano, é estar de corpo inteiro em todos os acordos, convenções, declarações, recomendações, agendas, pactos, desígnios internacionais, pelo combate a todas as formas de discriminação e desigualdade que Portugal assume, enquanto país membro de múltiplas organizações e signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Na escola, a Educação para a Cidadania visa mobilizar conhecimentos de todas as disciplinas, desenvolver competências transversais – os chamados “soft skills”, tão importantes para a vida - de preferência em trabalhos de projeto, à volta de temas aglutinadores, saídos da observação da realidade envolvente, com a finalidade de consciencializar, desenvolver a capacidade de observação, a cooperação, a liderança, o espírito crítico, a participação, tendo em vista a promoção de uma cultura cívica de tolerância e respeito pela diferença, em suma, a formação global do aluno enquanto cidadão, e membro da sociedade, elevando-a para níveis superiores de conhecimento, liberdade, tolerância e justiça.

Uma breve consulta ao sítio do ME fornece todo um rol de temas à volta da Cidadania, adaptados aos diversos ciclos de ensino, que gravitam na esteira dos direitos humanos: o combate ao discurso do ódio, o desenvolvimento sustentável, a educação ambiental, as dependências, a prevenção da violência, os comportamentos abusivos, a educação intercultural, etc., etc. Quando nos debatemos com um reacender de conflitos de origem racial, até com manifestações à Klu-Klux-Klan, a existência de um abaixo-assinado contra a disciplina de Educação para a Cidadania, cujos subscritores incluem um ex-Presidente da República, um ex-Primeiro Ministro e um ex-Ministro da Educação é deveras inquietante!

É um facto sermos uma sociedade conservadora, na melhor tradição patriarcal judaico-cristã, para quem as questões ligadas à sexualidade e identidade de género, os direitos da mulher, a diversidade étnica, etc., aparecem ainda rodeadas de tabus para alguns. Atente-se num certo discurso partidário emergente… Talvez não se tenha feito ainda uma reflexão factual sobre o passado histórico de um país pontuado por momentos efémeros de conquista, expansão e império colonial, apogeu, glória e declínio, e ainda persistam ideias passadistas de Pátria…

Talvez precisemos questionar o nosso relacionamento com a diversidade. A começar pela múltipla diversidade cultural ibérica de onde nascemos, adicionando o nosso passado colonial, a ligação aos novos países da lusofonia, fonte de riqueza e diversidade cultural. Desenvolvemos com eles uma atitude multicultural, em condições de igualdade e equidade? Diz quem sabe, estar a inclusão do “outro”, do culturalmente diferente, sem desconfianças, reservas ou preconceitos, condicionada a um maior ou menor sentimento de insegurança do nosso processo identitário… Será?

Uma sociedade só evolui e cresce em termos de desenvolvimento humano e cultural, para patamares superiores de justiça e democracia, quando é capaz de se confrontar com os seus traumas e pecados, exorcizar os seus fantasmas, superstições, crenças e medos, interpelar dogmas e mitos, desocultar os esqueletos no armário, que um vetusto percurso de quase nove séculos de História sempre acumula e reproduz. A Educação para a Cidadania ajuda!

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