Análise

Contabilidade partidária

António Costa tornou-se o foco central da campanha para as eleições regionais de 22 de Setembro. Não há dia em que o primeiro-ministro não venha à baila, por isto e por aquilo. A escolha foi feita pelo PSD-M quando, em Outubro de 2017, com a remodelação governamental, decidiu apontar a mira para Lisboa, ressuscitando o fastidioso estratagema de Jardim ao longo das quatro décadas à frente do governo regional. Miguel Albuquerque, encurralado entre o desastre das autárquicas daquele ano e as vozes críticas internas que contestavam, e muito, as suas escolhas, optou pelo ataque ao governo central, como se todos os males da Região tivessem a assinatura exclusiva do actual primeiro-ministro. Foi a saída política possível para Albuquerque, que teve no seu vice, Pedro Calado, o franco-atirador de serviço, junto das empresas e em todo o lado onde fosse. As Europeias vieram ratificar a estratégia social-democrata, mas como já aqui dissemos as eleições para o Parlamento Europeu não devem servir de barómetro para o próximo acto eleitoral. As regionais mobilizam mais eleitores e dizem muito mais às pessoas.

António Costa, que só não será reeleito primeiro-ministro se, até Outubro, acontecer uma fatalidade, deixou entretanto claro, na entrevista ao DIÁRIO, que os ataques do PSD-M não ficam sem resposta. Acusou Albuquerque de ter duas personalidades (uma em Lisboa e outra no Funchal) e de que não é “Alberto João Jardim quem quer”. À réplica política veio um conjunto de afirmações que carece de atenção e resposta. Como a de que o Governo da República vai assumir a revisão do modelo social de mobilidade, caso o Governo Regional não queira gerir o dossier. O primeiro-ministro foi peremptório ao sublinhar que Lisboa não aceita a continuação de um modelo “ruinoso” que só serve as companhias aéreas e com o qual despendeu 70 milhões de euros. O PM, arguto, puxou da cartola o argumento político, discutível é certo, sobre a vontade da Madeira reforçar a sua autonomia, para justificar a passagem do controlo do dossier para o Funchal. Curiosamente, o destinatário da mensagem, não reagiu com assertividade. Miguel Albuquerque limitou-se à reacção política a quente, circunstancial, para nada dizer. E ficou à margem do essencial. Até hoje. É pouco para quem luta pela reedição de uma maioria absoluta e que se a conseguir vai ter de se sentar novamente com António Costa na mesa das negociações.

A questão de mobilidade é, a par da Saúde, um dos dossiers mais sensíveis para os madeirenses. É ao Estado que cabe assegurar a continuidade territorial, mas o Governo Regional não pode passar o tempo a justificar a sua apatia com o governo da República. O modelo tem de ser revisto e quanto mais cedo se chegar a uma solução, melhor. António Costa deixou claro que não vai passar cheques em branco, seja qual for o partido que ganhe as eleições na Madeira. Veja-se, por exemplo, o que disse sobre a ligação ferry Funchal-Lisboa, onde nada está assumido e muito menos decidido, ao contrário do que anunciou o PS-M. O PM tem fundadas dúvidas sobre a viabilidade da linha o ano todo.

Esta campanha que oficialmente hoje começa tem sido pródiga em ruído, produzido demasiada espuma e continua focada nos subtemas, nas tricas partidárias e nas banalidades. Falta-lhe dimensão e coragem. Quase tudo tem girado em torno do equilíbrio de forças do próximo governo, como provam as recentes declarações de Rui Rio e Assunção Cristas. Um e outro defendem uma coligação entre os dois partidos, para afastar a esquerda da Quinta Vigia.

A autonomia merece mais clarividência e mais determinação no aprofundamento das questões que realmente nos preocupam. É que de ‘contabilidade’ partidária o povo está farto.

P. S. É anedótico, a duas semanas das eleições, perder-se tempo a alimentar polémicas com a personalidade e os feitos de Jardim. Começa a ser evidente que tanto Miguel Albuquerque, que sentiu necessidade de recuperar a imponente coreografia das inaugurações jardinistas e, pasme-se, Paulo Cafôfo, precisam do ex-líder para ganharem alguma coisa.