A História repete-se?
Dizem uns que sim, dizem outros que não.
Nada melhor que uma pesquisa histórica para ter uma melhor visão sobre este assunto. É o caso de um manuscrito encontrado na Secção “Documentos Apócrifos, Dispersos e Avulsos” (DADA) da Torre do Tombo. Em jeito de diálogo, nessa peça literária constava uma curiosa recolha do que era a Lisboa no século XVI. Para mais fácil compreensão, foi atualizada da ortografia original para a do século XXI – e até dentro do Acordo Ortográfico.
Vamos então.
Sebastião Ramires do Lumiar, senhor de algumas terras no termo de Lisboa, homem esforçado e de bons costumes, encontrou um dia seu primo João Brites de Alfama, que se dedicava ao trato da pimenta e de outras drogas da Índia, na Rua Nova de El-Rei, onde se concentravam mercadores de todo o Mundo (além de fidalgos, padres e todo o povo). A rua tinha mais de vinte palmos de largura, e fazia o espanto das muitas e variadas gentes.
- Ora mui me é dado folgar por ver-vos, meu primo João. Que novas me podeis dar?
- Não assaz boas, primo Sebastião, que me turvam a alma.
- Por minha fé! E o que tanto vos traz tão anojado?
- Não vedes estas gentes, de tantas e desvairadas partes? Eles são castelhanos, bretões, flamengos, ingleses, genoveses, mouros, chins, índios, e mais azenegues e cafres em tal cópia que minha memória não alcança.
- E que tem isso de mal? É sinal que a nossa cidade está aberta ao Mundo! Pois não é ela admiração e cobiça de todos?
- Atentai que isso mui me amofina! Mesmo na minha testada tropeço em saxões hereges, francos cismáticos, judeus arrenegados e árabes seguidores de Mafoma!
- Mas isso não é bom para o negócio? Ao que por aí soa, vossa fazenda parece bem acrescentada, e medrou mui asinha...
- Será, será. Mas os preços sobem. Um quartinho a par das Portas do Sol, longe desta rua, já vai em dois cruzados! Uma canada de vinho tem de ser poupada, e um arrátel de carne só para o Santo António...
- Pois que assim vai esta praça?
- É o que soa! E, em guisa do que se diz, mui prestes será pior.
- E se esses estrangeiros, que tanto vos amofinam, se fossem de volta às suas partes, que sucederia?
- Bem, seriam tempos contrários, estaríamos mui eramá, e quiçá voltaríamos às castanhas e pão de centeio...
- Meu primo, estais esquecido dos vossos parentes dos campos. Das hortas vem vosso sustento, por trabalho e não por mercadejar!
- Isso é coisa de saloios, que, como sabeis, são provindos de mouros mal convertidos e gente de nação.
- Pois sabei que a sabedoria está em quem labuta; e, mais vo-lo digo, como o fazem os tais saloios, o que vós quereis é sol na eira e chuva no nabal!
Aqui terminava o documento encontrado na DADA.
Será que dele poderemos concluir que a História não se repete?
Ou será o inverso?