Análise

A vertigem do poder

1 Há leituras para todos os gostos das eleições de domingo passado. Quase todas exageradas. Um passeio pelas redes e está lá tudo, de gente com responsabilidades ao cidadão anónimo que também tem algo para dizer.

Todos ganharam e todos perderam, à excepção do Bloco de Esquerda e do PTP que foram varridos do palco parlamentar.

O CDS deu o tombo da noite. Perdeu 9.243 votos e quatro deputados. Não fosse fundamental para fazer uma aliança à direita que viabilize a governação e Rui Barreto estaria neste momento a braços com uma rebelião interna. É que o partido não perdeu apenas votos e lugares, perde 260 mil euros/ano do ‘jackpot’ parlamentar. A alegria estampada na cara do líder era sinónimo de poder, antevia o exercício do poder, que tanto inebria os nossos actores políticos. Mesmo derrotado, o partido chega ao poder. Por si próprio nunca lá chegaria, tal como na República. Se tudo se encaminhar não terá tarefa fácil pela frente, porque vai ter de coabitar com uma máquina oleada pelo PSD há 43 anos. E está lá tudo: dirigentes e vícios de uma vida que não querem abdicar de décadas de sinecuras e de liderança na máquina da administração pública. Os lugares de nomeação, apetitosos, vão ser alvo de ataque centrista. O partido tem de satisfazer os seus. E o PSD vai gerar muitos descontentes. É cíclico na democracia portuguesa.

Venham as ideias-chave e o fio condutor do programa do próximo governo, sem esquecer o peso que o Governo de Lisboa tem na equação. PSD e CDS têm de rectificar o discurso, porque na República vão ter como interlocutor um executivo de esquerda, diabolizado durante os meses de frenética campanha.

2 O PSD perdeu elã e o espírito que o caracterizava desde 1976. Mesmo com a ajudinha de Jardim, que veio, entretanto, exigir purga interna(!), perdeu o poder absoluto que lhe permitia governar a bel-prazer, sem dar cavaco a ninguém. Miguel Albuquerque, que é contestado no interior do PSD desde pelo menos 2017 não vai ter caminho facilitado, especialmente da parte dos que vêem em Pedro Calado uma solução catalisadora e virada para o futuro. O fôlego renovador do presidente esgotou-se há muito. Enredou-se na própria teia que teceu. Agora será obrigado a negociar com o parceiro que não chegou aos 6% dos votos. Essa percentagem será a diferença entre governar ou não governar. E o PSD quer continuar no poder. Há o JPP, mas uma aliança com os ‘gauleses’ não se perspectiva até pela jura feita em plena campanha eleitoral por um alto dirigente partidário.

3 O PS teve nestas eleições o seu melhor resultado de sempre. E isso deve-se ao ‘efeito Cafôfo’ que mesmo assim não foi suficiente para assumir-se com um projecto vencedor. O candidato foi muito superficial em temas determinantes para o futuro da Região e cometeu deslizes no mínimo infelizes, como o de elogiar o antigo presidente do PSD-M, numa entrevista concedida ao Expresso. O eleitorado não quis uma maioria de esquerda, como aconteceu, em 2015, na República. Mas deixou sinais óbvios para o futuro. O BE foi banido do mapa e a CDU ficou reduzida a um deputado. Os dois partidos perderam 6.844 votos no domingo passado. A Paulo Cafôfo resta assumir o comando das operações, liderar os socialistas na Assembleia Legislativa e também na Praça Amarela. Não há uma justificação plausível para se manter como independente.