Crónicas

Votar sempre

Mas um militante é feito de tudo isto, de silêncio nos tempos maus, de alegria e empenho nas campanhas, disposto a correr pelos caminhos e becos, que está lá nas mesas de voto a ver se as eleições correm sem incidentes.

O dia estava chuva quando subi o beco para ir votar ao antigo dispensário do Laranjal. Tinha 18 anos e o voto para escolher o presidente da câmara foi o meu primeiro passo na vida adulta. A minha geração convivia ainda com estas excentricidades, isto de alguém se sentir gente por tirar a carta de condução ou ter cartão de eleitor, mas estávamos em 1989 e ainda havia ecos da revolução nas nossas vidas.

As crianças do 25 de Abril estavam ali, a chegar aos cadernos eleitorais e dividiam-se em dois grandes grupos: os que não queriam ouvir falar de partidos e os que corriam a inscrever-se nas jotas e treinavam nas associações de estudantes. Eu fazia parte de uma minoria mais ou menos órfã que queria mudar o mundo sem ter ficha de militante.

Era uma ilusão, o resultado da alergia à disciplina que, aos 18 anos, estava na fase mais exuberante. Não perdia os debates na televisão, via os direitos de antena, lia as notícias e os textos de opinião, mas não conseguia imaginar-me num partido a validar as ideias antes de as expressar, era ceder, ceder mais do que seria capaz. Bom ou mau, o que me ia na cabeça era meu, não estava para dividir ou fazer de conta que não existia.

Os “eles” e “nós” não me encaixava, exigia um compromisso, uma devoção que aquela miúda de óculos e cabelo pelas costas - que se sentia importante por estar a votar – dificilmente teria. Eu era isso, uma miúda, que gostava de vestidos, livros e filmes, a quem faltava espírito para ser um soldado empenhado numa causa, disposto a defender o partido até das críticas certas e dos erros sem perdão.

Mas um militante é feito de tudo isto, de silêncio nos tempos maus, de alegria e empenho nas campanhas, disposto a correr pelos caminhos e becos, que está lá nas mesas de voto a ver se as eleições correm sem incidentes. Os mesmos que, ao fim da noite eleitoral, vão chorar a derrota ou festejar a vitória. E todos os partidos têm pessoas assim, que dão mais do que recebem. Tenho-os encontrado ao longo de 26 anos de profissão e sei que nunca seria capaz de ter aquela a fé inabalável.

Com mais rugas e menos pressa para mudar o mundo, continuo a pensar como aquela miúda de 18 anos que, em 1989, correu pelo beco acima para votar pela primeira vez. E a minha melhor participação política continua a ser essa: votar.