Rebaixas
Agarro-me a uma saia e dou mais umas voltas, que não se desiste logo dos saldos. A roupa tem ar de ter sido vestida e despida muitas vezes, parece das rebaixas da minha adolescência e eu não tenho boas lembranças do entra e sai das lojas nas quartas-feiras à tarde, já na vinda da casa dos bordados.
Dei por mim entre cabides, a ver preços e tamanhos e a pensar que, da próxima, tenho juízo e começo a comprar na época das promoções. É um bom propósito, melhor seria estar um ano sem entulhar o armário, mas já aqui estou na fila dos provadores. As calças estão apertadas na cintura – não admira que houvesse tantas – e as blusas estão esquisitas. Acho que foram pensadas para uns braços mais finos, para um corpo diferente do meu, mais novo e esguio.
Agarro-me a uma saia e dou mais umas voltas, que não se desiste logo dos saldos. A roupa tem ar de ter sido vestida e despida muitas vezes, parece das rebaixas da minha adolescência e eu não tenho boas lembranças do entra e sai das lojas nas quartas-feiras à tarde, já na vinda da casa dos bordados. A minha mãe tinha teorias estranhas e a mania de me deixar à porta a tomar conta dos embrulhos, morta de vergonha e com medo que alguém da escola me visse naqueles preparos.
Mas não era melhor quando as compras me eram destinadas e era preciso enfiar-me no provador, de frente para o espelho, para tentar vestir calças de ganga que não passavam dos joelhos e camisolas de lã. A minha mãe insistia, era por causa do frio, de um frio que só ela sentia e ao qual juntava os terríveis sapatos para chuva, as blusas, saias e casacos de cores que ninguém usava. Lembro-me de como tudo me angustiava e de como me mortificava a ideia de ir assim para os Ilhéus.
Como é que me iriam aceitar no grupo que se encostava ao muro e ficava a debater qual dos rapazes tinha as pernas mais bonitas. A pessoa reflectida no espelho dos provadores não tinha condições para apreciar o que quer fosse, estava transtornada e consciente de que seriam necessários muitos anos para se libertar daquela imagem. E o estranho da história era a minha mãe pagar bem pelo tecido de chiffon e os sapatos brancos, mais a conta da costureira só para que eu saísse de mordoma na procissão.
Que fosse para escola com uma saia e um blusão de penas que não condiziam nem na cor, nem no estilo não incomodava, acho que nem sabia o que era sentir-se desenquadrado e viver com isso os meses que duravam o ano lectivo. A minha mãe tinha as melhores intenções, gostava de me ver na procissão, de me mostrar ao sítio e eu nunca lhe contei como aquela roupa que tirava dos saldos me impedia de chegar aos outros, de quem queria muito ser amiga, de quem esperava um convite para as festas de anos e para ir ao cinema.
Na adolescência temos vistas curtas e, na escola, ninguém viu mais do que estava à mostra: a gordinha com as roupas das rebaixas.