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Pensar “fora da caixa” em educação

temos um país onde 58% dos empresários tem habilitações ao nível da 4ª classe

Na sociedade atual, mercê do desenvolvimento tecnológico, nomeadamente da IA, vários estudos recentes (“Automação e o Futuro do Trabalho em Portugal”) e outros apontam para que até 2030, cerca de 1/5 dos portugueses, ficarão sem o seu trabalho, sendo substituídos por máquinas “inteligentes” de forma automatizada, por software ou robots especializados, que efetuarão trabalhos rotineiros e mesmo trabalhos que exijam algum nível de tomada de decisões. A formação que possuem, “adquirida na escola tradicional” é “estática”, pouco suscetível de adaptação a novas realidades.

1,8 milhões de trabalhadores terão de “reciclar-se” e aprender a trabalhar com estas novas tecnologias ou serão linearmente afastados do mercado de trabalho, originando um “exército de desempregados” com todas as consequências económicas e sociais e consequentes. Como pano de fundo temos um país onde 58% dos empresários tem habilitações ao nível da 4ª classe.

Em contrapartida serão criados de 600.000 a 1.200.000 novos postos de trabalho para os quais serão igualmente exigidas novas qualificações compatíveis com os ritmos de mudança cada vez mais acelerados.

2030 parece-nos uma data remota, porque fica a 11 anos de distância, mas se considerarmos um jovem que hoje frequenta o 5º ano e tem atualmente 11 anos, ele terá 22 anos em 2030, logo estará a “entrar” para o mercado de trabalho, sendo que o tipo de preparação que a escola lhe proporcionar será decisivo para essa integração.

A escola que hoje temos assenta predominantemente em modelos do Séc. XIX, herdeiras das Escolas Paroquiais e da Escolástica. As sucessivas alterações e reformas afetam mais a forma do que a substância do nosso sistema de ensino e mesmo a atual “gestão flexível do currículo” e a organização do ano letivo em dois períodos, bem como a introdução de tablets e de robótica, medidas globalmente positivas que, embora tornem a aprendizagem mais “interessante” e permitam ao estudante “compor” um elenco mais de acordo com o seu gosto, diluindo de algum modo o “saber atomístico e enciclopédico” e se pretenda deste modo que os saberes se consubstanciem. Estas medidas avulsas e “piedosas”, não alteram, porém, o facto de que, no paradigma atual, a tónica do binómio ensino-aprendizagem esteja ainda assente no ensino espartilhado em rígidas “fronteiras” disciplinares. Continua a ser frequente ouvir os professores falarem de “dar matéria”.

A fragmentação dos conteúdos em disciplinas de contornos herméticos, os conhecimentos teóricos descontextualizados, a forma de avaliação através de testes e exames que valorizam quase exclusivamente os conteúdos ministrados fazem parte do mesmo paradigma, que produz indivíduos possuidores do domínio duma certa quantidade de matérias e saberes, que mesmo que “bem” adquiridos, serão necessariamente finitos e perecíveis.

Tradicionalmente, o conhecimento adquirido na formação inicial, com mais algumas atualizações, era suficiente para fazer face às necessidades do cidadão ao longo da vida, bem como de uma profissão, porém, há cerca de 20 anos já se considerava que 75% do conhecimento adquirido no ensino superior, estava desatualizado passados 5 anos.

Hoje, para fazer face às necessidades atuais e presumivelmente futuras, o paradigma tem obrigatoriamente que ser alterado. O aluno não poderá mais “sair” do SE, tal como até agora com um conjunto limitado e finito de “saberes” perecíveis, mas, pelo contrário, terá de ser uma criatura pensante e aprendente capaz de se adaptar a contextos de mudança, cada vez mais acelerada ao longo de toda a sua vida. Os “saberes” são incontornáveis e estarão sempre “na base”, porém são insuficientes, pois não resolvem problemas, porque, para produzirem efeitos uteis, têm de ser “trabalhados” de forma a produzirem conhecimento e operacionalizados através dos métodos e processos adequados de forma a resolver um problema, suprimir uma necessidade ou consubstanciar uma ideia, ou seja, ultrapassam o domínio dos saberes, para entrarem no domínio das competências.

Os contextos mudam, e, do mesmo modo, os conhecimentos, as tecnologias e as necessidades também. Só criaturas pensantes e aprendentes estarão aptas a fazer face à mudança vertiginosa presente e expectável. Temos de estar conscientes de que estamos a formar pessoas para o exercício futuro de profissões que hoje ainda não existem.

O ensino obrigatório hoje já não prepara os alunos para o exercício duma cidadania efetiva. Os alunos hoje saem da escola sem terem a mínima noção de que impostos irão pagar, do plano nacional de vacinação, da organização administrativa do país, dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos, capazes de ler a “chapa” ou a eficiência dum qualquer aparelho elétrico, de fritar um ovo, etc. Saem impreparados para o exercício duma cidadania informada, crítica e plena, civicamente empenhada, saem até sem preparação alguma para o exercício de qualquer profissão minimamente qualificada. Por outro lado, uma educação para a cidadania, será a única forma de evitar que Trumps, Bolsonaros, Edogans e outros que tais sejam eleitos.

A educação terá de ser “um orçamento de base zero”, ou seja, terá de ser repensada desde a raiz, para determinar, sem “pesadas heranças”, quais as competências efetivamente necessárias ao exercício duma cidadania plena, onde se inclui o exercício de uma profissão. Chega de “meias-solas”.

Por limitações de espaço, continua numa próxima oportunidade...

P.S. Este texto foi extraído dum trabalho anterior e mais extenso da minha autoria, que consubstancia uma visão de 40 anos sobre o “papel da escola na sociedade”.