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Facilitismos

É claro que a educação é um direito inalienável. Não tenho dúvidas disso

Ouvir na passada semana um partido afirmar que tudo fará para que na próxima legislatura as propinas do ensino superior sejam gratuitas deu-me arrepios. Não só pelo populismo da intenção, mas também, e sobretudo, porque ao longo do ano letivo não foram poucas as ocasiões em que me vi a pensar que os alunos darem como garantida a gratuitidade da frequência escolar é um dos factores que poderão estar na base da crescente leviandade com que alguns jovens encaram no secundário a não transição de nível de ensino e/ou a escolha de curso.

Sei que a questão é polémica e que neste momento mentes brilhantes encontrarão os mais imaginativos adjetivos para (des)qualificá-la, mas o certo é que a experiência me tem demonstrado que a impunidade subjacente à gratuitidade em que se alicerça o ensino é uma das principais razões da indisciplina e da irresponsabilidade que muitos jovens ostentam em sala de aula quando lá decidem estar. Sim, quando lá decidem estar porque, se há os que de corpo presente e alma ausente frequentam as aulas, também os há que nem se dignam a pôr os pés em muitas delas.

A educação é, na verdade, um direito inalienável. Não tenho dúvidas disso. Daí o paradoxo que o próprio sistema cria ao “obrigar” os jovens a frequentar o secundário sem qualquer mecanismo de penalização efetiva que os responsabilize e torne consequentes os seus atos enquanto alunos. Pior: infantiliza-os, aplicando-lhes os mesmos princípios que imperam, legitimamente, nos três primeiros ciclos de escolaridade como se não estivessem prestes a se tornar adultos.

Com efeito, a escola é um dado adquirido e, como tal, alunos e encarregados de educação não têm por que se adaptar a ela. Antes adaptam-na às suas vidas e às suas necessidades. Se se quer faltar, falta-se e justifica-se a falta com direito à aula de apoio para recuperar a matéria que se perdeu, se calhar, porque se preferiu ficar no café; se não se gosta do curso pois compreende muito estudo e se pensou que era muito mais leve, muda-se para outro agora ou quando der porque, afinal, não chega nada ao bolso; se não se consegue média alta nos cursos gerais para se entrar na faculdade, arrasta-se a que se tem até ao 11º ano e no 12º muda-se para o profissional que ela sobe vertiginosamente; se não se tem pachorra para estudar mas o pai e/ou a mãe não deixam faltar, assiste-se às aulas aproveitando a ocasião para trocar sms’s, dormir ou simplesmente implicar com o professor ou com o colega do lado. Tudo é possível desde que haja engenho e arte pois não se paga nada e, no próximo ano letivo, cá se estará para repetir a dose.

É claro que a educação é um direito inalienável. Não tenho dúvidas disso. Também não as tenho quanto ao facto de que, enquanto se continuar a criar mecanismos plenos de possibilidades para os alunos (calões), pouco ou nada se fará a favor deles, da escola e do próprio país. Apenas se contribuirá para a zé espertice e nada mais. Gratuitidade sim, sem dúvida, mas a quem merece não pelo estatuto social, não pela média alta, mas pelo empenho e ambição manifestados em superar obstáculos e atingir metas.

Como bem dizia o filósofo, o facilitismo afrouxa a vontade. E afrouxa mesmo, seja na vida, seja num simples banco de escola... ou de universidade.