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A ascensão da China a segunda potência mundial veio ressuscitar velhos fantasmas

A saga da “Guerra dos Tronos” entre os EUA e a China vem tomando aspetos insólitos, pondo desafios até agora inimagináveis aos pobres analistas profissionais. Desde que Donald Trump anunciou por twitter que estava em guerra económica, e que esta era fácil de ganhar, o Mundo ficou em suspenso.

Guerra é guerra, e o Presidente Xi foi já dizendo que os chineses poderiam ter de fazer outra Longa Marcha, recordando o feito de Mao Ze Dong. Resta saber se, do lado americano, haverá quem queira fazer mais do que uma volta ao quarteirão.

A animosidade americana contra os chineses vem de longa data. Os caminhos de ferro da Costa Oeste foram feitos com muita mão-de-obra chinesa, mas, ao contrário de outras etnias, poucos emigrantes ficaram. A razão está num movimento de rejeição desenvolvido naquela área, bem representado por Denis Kearney, emigrante irlandês e chefe do Partido dos Trabalhadores da Califórnia, cujo slogan principal era “the chinese must go” (os chineses têm de ir embora).

Certo é que o movimento anti-chinês vingou, e em cerca de vinte anos foram promulgadas doze leis nesse sentido, como uma que proibia os chineses de viajar para os EUA, a menos que fossem professores, estudantes, comerciantes ou turistas. Uma caricatura da época mostrava a construção de um muro no porto de S. Francisco, para impedir a entrada de chineses.

(à margem: substituindo os chineses por latinos, há algo de endémico em certos políticos americanos...)

A Guerra da Coreia não veio melhorar as relações sino-americanas, até que Henry Kissinger se lembrou de recorrer aos chineses para tramar os soviéticos. De onde se prova que a tática pode ser inimiga da estratégia.

A ascensão da China a segunda potência mundial veio ressuscitar velhos fantasmas. E veio também recordar uma constante da política económica dos EUA: liberalização dos mercados, quando por si dominados, e protecionismo, quando confrontados com a concorrência. O caso da Huawei, visto pelo mesmo prisma da “guerra” Boeing-Airbus, tem uma leitura diferente da das declarações oficiais.

E voltamos a assistir ao velho e sempre renovado cortejo da xenofobia, do racismo e do nacionalismo, como suporte ideológico de medidas protecionistas.

Só que todos esses sentimentos assentam em frustrações, sem suporte objetivo, seja ele sociológico, económico ou biológico.

Com uma agravante: Denis Kearney seria um imigrante de 2.ª, na Costa Leste. Para ser WASP (white, anglo-saxon, protestant) faltavam-lhe dois requisitos. Descarregar sobre os chineses (como sobre os negros, latinos ou outros) foi, antes de mais, cómodo e fácil. E eficaz.