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Joe Berardo

É tema difícil de escrever. Sem quebrar os meus princípios mais firmes e valiosos. Sem hipocrisias nem disparates facilmente descortináveis. Enfrentando o assunto para que, pelo menos, não se repita.

Conheço ‘Joe’ Berardo há muito perto de quarenta anos. Cheguei a Johannesburg, sem o conhecer, e recebi um seu convite para almoçar. Mandaria um carro buscar-me ao hotel. Na hora combinada ponho-me a ver um vistoso rolls-royce branco que estacionava à porta do hotel. Um motorista impecavelmente uniformizado apresenta-se e conduz-me naquele que ainda é a minha única viagem num ‘rolls’.

Em poucos minutos julgo ter avaliado o mais tarde comendador. Mais novo mas com a mesma personalidade de hoje. Expansivo, alegre, optimista e misturando o português com o inglês.

Á noite, jantei em sua casa onde conheci a sua excepcional esposa Carolina.

O seu posterior regresso a Portugal, numa forçada retirada da África do Sul, encontra o país em abertura econômica absolutamente imparável. A euforia bolsista da era cavaquista oferecem-lhe uma oportunidade que vai aproveitar, juntamente com os amigos Roque e Barradas. A Empresa Madeirense de Tabacos é o ponto de partida. A OPV que se segue é o jackpot.

Mas Berardo não quer ser banqueiro ou sequer empresário. É um capitalista, mais tarde um especulador especializado. Não quer produzir seja o que for. Quer ganhar dinheiro rápido. Comprar barato e vender com lucro. Tenha de fazer o que quer que seja, esse é o objectivo. Não lhe conheço qualquer menos legalidade. Alguns negócios de ética criticáveis ? Possivelmente, mas sabemos que quem perde ou ganha menos precisa sempre de um boa desculpa.

É bem sucedido. Porque é esperto, sagaz e batalhador. Está sempre em acção.

E aproveita a fraqueza do sistema que o rodeia, que é o de se financiar sem outras garantias que os bens adquiridos. Bens que não são mais que títulos bolsistas absolutamente voláteis e perecíveis. Os quais entretanto, com a crise mundial, desvalorizam tornando-se insuficientes para possibilitarem a restituição das dívidas. Nem pouco mais ou menos !

Então qual o “crime” de Berardo para dele fazer o moderno Alves dos Reis ? Nenhum !

Berardo aproveitou uma chusma de gestores bancários, armados em banqueiros, que desbarataram o que os bancos tinham e o que não tinham. Banqueiros criminosos ? Pelos vistos vão ser beatificados. Em vez das fotos e nomes dos gestores que emprestaram o dinheiro sem garantias bancárias suficientes, para negócios de risco explosivo, a nossa comunicação social expõe os protagonistas “culpados” de terem pedido empréstimos e aceite as condições exigidas e contratadas. Sem que até hoje se tenha apontado uma qualquer possível ilegalidade.

O mesmo já não se pode dizer dos gestores bancários que consentiram este descalabro financeiro. Com dinheiro que não era deles e que delapidou poupanças de uma vida a muitos portugueses. E, a Caixa Geral de Depósitos, banco do povo, de todos nós, que se prestou a perdas inaceitáveis para exclusivas cartadas especulativas que não deviam poder ser autorizadas por qualquer gestor público. Aqui sim, há que investigar e procurar com lupa todos os actos de gestão susceptíveis de meter na cadeia eventuais criminosos ainda à solta.

Há muito que não encontro Berardo. A 4 de Julho invariavelmente felicito-o pelo aniversário. De uma coisa estou certo: mais do que ele ninguém queria que as suas apostas tivessem dado certo para que tudo estivesse devidamente regularizado. E eu sei tão bem como ele, que o desmoronamento desses devaneios não só se deu pela hecatombe internacional como pelo elevado risco desses lances especulativos, só possíveis assumir pela facilidade e irresponsabilidade das garantias exigidas a troco do crédito bancário.

Mas também tenho a certeza que lamenta profundamente, com profundo arrependimento, ter sido surpreendido por este sismo financeiro que trespassou a sua vida de forma avassaladora.

Ao contrário de muitos desses publicitados, e hoje famosos, devedores, que nada tinham de seu e muito devem, Joe Berardo era milionário quando iniciou esta sua aventura portuguesa. Que eu perceba não arriscou a sua fortuna, feita de uma história de sucesso como imigrante madeirense, desde o mercado de Johannesburg às minas de ouro.

Foi o que sempre o notabilizou: mais esperto que os demais. Oxalá não lhe tivesse acontecido este episódio que massacrou a sua imagem de financeiro agressivo, até prova em contrário, sempre cumpridor da lei.

Estou certo que se tivesse sido banqueiro não teria acompanhado a “loucura” do sistema de que foi um dos usuários. Pelo menos o seu banco estaria são do ponto de vista financeiro. E, porque não, ter feito regra em todo o sector ?

Joe Berardo era um herói madeirense. Um daqueles imigrantes que todos gostariam de ter sido. Que a justiça seja célere e nos dê a tranquilidade de saber que a irresponsabilidade dos banqueiros não fizeram dos seus maiores clientes os delinquentes que a opinião publicada quer condenar.