Futebol e VAR: o futebol sem emoção

O futebol, desde que foi inventado, sempre se pautou por ser um espetáculo de entretenimento. Quer para se “passar um bocado”, quer para confraternização, o futebol apoderou-se “do povo”, entrando nas nossas vidas para ficar e pautando-se por uma competitividade que diria, ser sã.

E nesta “luta” que opõe duas equipas, foi necessário acrescentar uma terceira que “regulasse” os limites legais de competitividade apresentados por ambas. Daí surgindo as equipas de arbitragem. O que me leva ao assunto a que se refere o título. A problemática das arbitragens e a introdução do VAR (Vídeo Assistant Referee).

A questão das arbitragens está sempre presente em todos os aspetos da nossa vida, desde que existam duas partes em confronto. Seja no desporto, seja na justiça, seja na política, onde quer que seja que exista disputa e um órgão que “arbrita”, haverá sempre espaço para a especulação e para a atribuição de responsabilidades, caso o desfecho não seja do agrado de alguma das partes.

No contexto nacional, e no que ao futebol de alto rendimento diz respeito, quer me parecer que durante muito tempo (demasiado) as arbitragens foram o patinho feio do fenómeno. Algum falatório por parte dos treinadores, menos por parte dos jogadores e muito por parte dos dirigentes. A este grupo de oradores juntaram-se os “comentadores desportivos”, esses gurus da sabedoria desportiva. E à medida que os “comentadores desportivos” foram ganhando asas e os foram deixando voar cada vez mais alto, sustentados na sabedoria das suas brilhantes análises, foi-se apertando o cerco aos árbitros ao ponto de vários deles, e familiares, serem alvo de ameaças de morte.

E aqui, quer me parecer que a questão das arbitragens sempre foi mais um “problema” das televisões e dirigentes do que dos próprios jogadores e, eventualmente, dos treinadores. Isto porque a perpetuação de uma má arbitragem sempre foi feita mais por “comentadores desportivos” e dirigentes de clubes do que propriamente por treinadores e jogadores. Aliás, basta ver nos dias que antecedem jogos entre as equipas mais representadas no país, em termos de adeptos, para se perceber o tempo de antena que é dado a dirigentes e “comentadores” na imprensa, e o tempo que é dado a jogadores e treinadores. E, a bem da verdade, tudo isto diz respeito somente às equipas mais representadas. Porque, na verdade, o problema do VAR e das arbitragens só é tida em conta nos jogos em que estão envolvidas estas equipas a que me refiro e porque unicamente, devido ao alarido que provocam (dirigentes e “comentadores” afetos a estes clubes) é que se foi levantando a necessidade de implementação de medidas que reduzissem o número de erros de arbitragem (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

Tenho em mim, pois então, que o surgimento do VAR vem mais na sequência do histerismo alarmante provocado por “pseudo-comentadores” desportivos, frustrados pelos insucessos desportivos dos seus clubes, alastrados a alguns corpos técnicos e elementos diretivos de clubes e exagerada e levianamente permitidos pelas entidades que controlam, dirigem e superintendem a modalidade, do que pela efetiva necessidade e procura da chamada “verdade desportiva”. Ou seja, não fôra pelo exagero de opiniões (na sua forma e conteúdo) dos experts de opinião futebolística, acompanhados por diretores de comunicação fanáticos que, em conjunto com os anteriores, mais não fazem do que propagar a dúvida, a incerteza, a malícia e a suspeição e, por inerência, o incitamento à violência verbal, eventualmente física, do adepto comum para com o seu próximo, e talvez hoje não tivéssemos que levar com esta ferramenta que, se por um lado ajuda na diminuição do erro, por outro lado faz retirar a emoção do jogo no momento pelo qual todo o adepto mais anseia na hora de assistir a um jogo: o golo.

Aos poucos e poucos, parece-me, a adrenalina do momento do golo, o êxtase de ver a bola entrar na baliza do adversário, vai-se perdendo com o passar do tempo. Ainda que se festeje um golo, ninguém, atualmente, o festeja na sua plenitude, uma vez que será imperativo esperar vários minutos pela sua validação. E neste espera e espera, não explodimos verdadeiramente num primeiro momento e não explodimos também na confirmação do mesmo. Porque pelo caminho fica sempre a pairar a dúvida e a incerteza e quando chega a hora da verdade... já o entusiasmo, o verdadeiro entusiasmo, se foi.

Entendo que, seguindo neste caminho, estamos a automatizar o futebol, como que a robotizá-lo, tirando o que de melhor ele tem: a incerteza e a emoção do golo. Ao contrário da maioria dos outros desportos de carácter coletivo, o futebol caracteriza-se pelo número relativamente reduzido de finalizações com sucesso (andebol, muitos golos; basquetebol, muitos cestos; voleibol, muitos pontos; etc). Assim, se não pudermos aproveitar do futebol o que de melhor ele tem e o que, à partida, nos faz gostar tanto dele, a tendência será a de se perder o gosto pela modalidade e a emoção a ela subjacente.

E o que temos assistido, muitas vezes, e continuaremos a assistir cada vez mais, será a concretização com sucesso de jogadas e uma total ausência de manifestação emotiva quer pelos jogadores quer pelo público, pois toda a gente sabe que terá de ficar à espera do VAR para poder validar a ação. Parece-me, pois então, que a implementação do VAR reduz, efetivamente, o número de erros afetos à arbitragem, mas tira, também, a componente para mim mais importante do jogo e que já atrás referi: a adrenalina/emoção do golo. E tudo isto por causa do barulho feito por um grupo restrito de pessoas, afectas a um grupo restrito de equipas. Em Portugal e lá fora...

Felizmente que em 86, no campeonato do mundo do México, não existia VAR, pois o mais provável seria que Maradona visse o seu magnífico golo anulado por uma eventual falta no início da jogada... Maradona e o mundo todo. Que pena seria!!!