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Como se fuera la primavera

Precisamos rejeitar a insanidade ambiental e o negacionismo das alterações climáticas

Primavera

Gosto da capa da revista The New Yorker, com anúncio da Primavera. A estação que já bate à porta, vejo-a do meu quintal pelo azulado-roxo das glicinias e pela floração da laranjeira. Não sou dado ao esoterismo, nem à alquimia, mas acredito na vida secreta das plantas. E na simbiose destas com as abelhas em festa e os pássaros turbulentos. Era o poeta Mário Fonseca que metaforizava, equinocial e místico, sobre um “turbulent oiseau venu d’une terre lointaine”. E tenho o poeta Arménio Vieira, faber e laborioso, a indagar a Eternidade como uma estranha flor que Platão colheria no jardim de Eleata. Também quase em adenda ao ‘cover’ da revista a glosar Frida Khalo, o Observatório Astronómico alerta que a Primavera só começa hoje às 21:58 (hora de Lisboa). Será?

Sem dar o nome aos gatos

Manhã risonha e lisboeta. Quase a ser primavera, um tanto ainda para o frio. Encontro-me com o poeta Armenio Vieira. Na esplanada de sempre, o nosso point para ler a revista Leitura e a capa condizente. On his own face. Sou eu a dar o mote: “Dar nome aos gatos é um assunto traiçoeiro / E não um jogo que entretenha os indolentes”, recitando “O Nome dos Gatos”, de T.S. Eliot. E não toda a manhã, nem mesmo ao Rossio de Pessoa, que alguém lhe responde ao cumprimento com versos de Ezra Pound: “antes que a noite degole o dia com a sua espada escura”.

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Falámos sobre a apresentação de José Cunha do livro “A sedutora tinta de minhas tintas”, de Jorge Carlos Fonseca, na cidade da Praia. Olhámos com denodo para “Palavras de Fogo”, de Jidi Majia, a ser lançado em Macau. Ambos, com suficiente oficina. A poesia é sobretudo oficinar. Procedimentos e técnicas. Para a precisão lexical, densidade semântica e elisão sintática, metaforização obrigatória e intertextualidade naturalmente. Tal como dar o nome as gatos, falar sobre a poesia com Arménio Vieira é vê-lo decantar Gertrudes Stein, porquanto (do seu próximo livro a editar) “Um dente range, range, range / Uma cobra chia, chia, chia”...

Insónia

Vejo a fotografia de um recém-nascido no meio da tormenta moçambicana e leio a escritura de Mia Couto. Cena que me põe a sonhar com o cesto de junco e a criança lançada aos crocodilos do Nilo. Creio que sonho o versículo 4 todo e as alegorias, passem ou não na peneira do real, tornam-me insone. Qual anjo torto (podendo ser aquele do poema de Carlos Drummond de Andrade), vou à janela anunciar-vos a insónia. Algum irmão-em-poesia estará, aqui e alhures, também a ressarcir esta vigília de nem gente, nem bicho, nem fiat lux da poesia. Quiçá outro anjo torto, lúcido e em outridade, engendre negar a sina dos faraós. Rua vazia, taciturna, quase sombria. Vento que uiva, advindo do nada. Altaneiro tudo, a pernoitar vertigem. Altas horas...

O caos monumental

A dimensão da tragédia em Moçambique, decorrente do ciclone Idai (em modo de colapso ambiental) continua a surpreender. Dantesco, comprometendo tudo e entristecendo todos. Qual a grande questão? Precisamos rejeitar a insanidade ambiental e o negacionismo das alterações climáticas, as verdadeiras causas da exacerbação da natureza, antes que seja demasiado tarde. O subtexto desta tragédia é que o caos monumental está para vir. O caos global...