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Rankings ou flexibilidade escolar?

Não vale a pena termos ilusões: o modelo educativo assente nos resultados dos exames está esgotado

A escola está sequestrada pelos exames e provas de aferição. Nas escolas acontecem tantas, tantas coisas que ajudam as crianças e os jovens a crescer e a descobrir o mundo com um novo olhar. Ao longo do ano, desenvolvem-se projetos maravilhosos de que alunos, pais e professores se orgulham, mas que poucos conhecem. Nas escolas faz-se a vida acontecer e avançar. Porém, o que é que, sobre a escola, faz manchetes em todos os jornais nacionais e regionais? Os rankings dos exames nacionais.

Os rankings são a lixívia com que, ciclicamente, matamos as bactérias boas das escolas (todo o trabalho desenvolvido ao longo do ano) e reforçamos as bactérias más (os exames) que nos hão de destruir por dentro, sem disso termos consciência. Damos o nosso melhor, trabalhamos obsessivamente em prol dos alunos, preparando-os intensamente para que obtenham os melhores resultados nos exames e não nos apercebemos de que eles estão a matar os princípios fundamentais da aprendizagem.

Os exames são uma espécie de síndrome de Estocolmo que afeta a maioria das escolas do nosso país e a sociedade portuguesa, em geral. Eles são o agressor que sequestrou toda a escola, mas nós, os agredidos, tratamo-los como se fossem o nosso libertador, como se nos abrissem as portas do futuro, quando, na realidade, fazem, exatamente, o contrário: fecham-nas ou, pelo menos, contraem-nas.

Não vale a pena termos ilusões: o modelo educativo assente nos resultados dos exames está esgotado e só não o abandonamos de imediato, porque estamos completamente alienados e desenvolvemos processos de admiração pelo principal agressor das escolas, como as vítimas da síndrome de Estocolmo desenvolvem sentimentos de aceitação e de compreensão pelos seus sequestradores.

Na verdade, a obsessão pelos resultados dos exames não é compatível com os princípios da autonomia e flexibilidade escolar. Não significa isto que no novo modelo não haja avaliação, mas, certamente, não poderá ser uma avaliação centrada num momento formal de prestação de contas; toda a caminhada de crescimento desenvolvida ao longo de cada ano letivo não pode ser transposta para uma folha de papel em 2 ou 3 horas.

Não há dúvidas de que uma avaliação baseada no desenvolvimento do aluno é bem mais complexa e mais trabalhosa do que a baseada nos exames. No entanto, as suas vantagens são incomensuráveis, tanto mais que se foca no processo de aprendizagem e de crescimento de cada aluno em concreto em determinado momento; enquanto a outra, muitas vezes, mais do que a evolução do aluno, avalia aspetos colaterais da aprendizagem que não são visíveis a olho nu: as múltiplas condições familiares dos alunos, o meio social em que vivem, o poder de compra, as explicações nas disciplinas nucleares, as expetativas e ambição em relação ao futuro, entre tantas outras.

Decidamos, pois, desde já, se queremos mesmo a mudança que a autonomia e a flexibilidade curricular implicam ou se estamos perante mais uma encenação de mudança de paradigma educativo condenado à partida, como tem acontecido tantas vezes ao longo das últimas décadas.