Análise

A agonia do sistema

O que se está a passar no sector da saúde não é novo, nem constitui uma novidade para os madeirenses. Mergulhada em polémicas diversas nos últimos anos, numa carestia de meios de fazer envergonhar qualquer país europeu, a saúde tem andado ao sabor dos ventos, em muitas áreas entregue à sua sorte, com fortes limitações e hipocrisias escusadas.

As ‘granadas’ lançadas por Rafael Macedo apenas surpreendem os incautos. O que ele foi dizer à comissão parlamentar de inquérito da Assembleia Legislativa é o culminar de anos de um sistema em ebulição, empurrado para aqui e para ali, por diversos secretários regionais que nunca acertaram a agulha, nem tiveram coragem e força suficiente (por tantos e tantos motivos) para porem a casa na ordem. Coincidência ou não todos eles são médicos, todos eles com o pé direito no hospital e o esquerdo na clínica privada.

Chegados a este limite só podemos concluir que o sistema falha há tempo demais. As nublosas são muitas, os terrenos movediços imensos, os interesses que gravitam em redor, grandiosos. Público versus privado no centro da questão. Sempre. Rafael Macedo, qual franco-atirador, dispara sobre tudo o que mexe. No meio da torrente lança directas que vão direitas ao dorso do sistema. Como adulto responsável terá de provar a gravidade das suas declarações, para não ser dilacerado por esse sistema agonizante. Todos percebemos que essa vai ser a luta da sua vida. Mas nesta área tão sensível as acusações têm de ser duplamente verificadas, porque em causa está o maior bem de qualquer pessoa: a vida.

Perante o ciclone que varreu a semana os responsáveis políticos, aqueles a quem é conferido o poder emanado do povo (adoram recordar esta definição sempre que acossados) acobardaram-se. Mandaram o conselho de administração do SESARAM processar disciplinarmente e suspender o especialista de Medicina Nuclear da realização de exames (quando já estavam a adiar os mesmos) tão necessários aos doentes, em nome de uma “serenidade” arredada há décadas dos corredores do hospital, fechando os olhos a notícias falsas, plantadas aqui e ali, com o único interesse de baralhar a opinião pública. Os doentes exigem serenidade, sim, mas também competência!

O sistema, como é bom de ver, põe a nu uma realidade sem liderança: que agenda teve o presidente do Governo Regional para não ter emitido um único som sobre a gravosa polémica que ensombra a Região, cujo eco já chegou ao resto do país? A reacção oficial carece de um fio condutor que não existe. Factual. Albuquerque falou, sim, mas a pedido, no final de sexta-feira.

Não precisamos de mártires nem de bodes expiatórios. A saúde precisa de orientação superior, de rasgo, de coragem, de método. E, sobretudo, de verdade. Este episódio é revelador da angústia em que o próprio sistema democrático da Madeira está mergulhado.

O anúncio de milhões de euros para este e aquele sector não esbate o mal em que a saúde está imersa.

Neste rol de acusações o que menos parece sobressair são os doentes, os que permanecem nas listas de espera anos a fio, os que não têm um ‘plano b’ para apanhar um avião e submeterem-se aos cuidados oncológicos, cirúrgicos e outros no continente. Para a maior parte das pessoas a opção existente chama-se serviço público regional. E esses têm de aguentar com as dúvidas e com as incertezas de um sistema que tem navegado por mares tempestuosos, que de manhã anuncia uma medida, à tarde outra e no dia seguinte outra.

Haverá serviços que funcionam, é certo e muitos profissionais abnegados, mas o ruído em torno do sector é ensurdecedor. Precisamos de gente responsável e objectiva. E de utentes que não se calem, que denunciem o que não está bem. ‘A culpa não pode morrer solteira’ para que ninguém perca a vida de forma inexplicável e/ou negligente.