Crónicas

As Barracas do Costume

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1. Livro: “O Cemitério dos Barcos Sem nome”, de Arturo Pérez-Reverte, talvez o autor espanhol mais lido em todo o mundo, é um livro que, de certa maneira, repete fórmulas que encontramos noutros dos seus textos. A mulher que atrai um homem desavisado e despretensioso para um mistério, a vida infeliz que este tinha antes disso, as ligações prenhes de nostalgia ao passado, a promessa de redenção, tudo entrelaçado numa excelente trama que nos prende da primeira à última linha.

2. Disco: “Thanks fot the Dance”, de Leonard Cohen, é o último álbum do cantautor canadiano, que tantas saudades nos deixa. Gravado como o autor já em grande sofrimento, não é essa a ideia que nos deixa. Resulta quase como um fazer as pazes com a vida, como se fosse uma longa meditação sobre um caminho.

3. Agora que se tornou moda que a prepotência de quem manda se aproprie do que lhe der na gana, porque andamos em tempo de medir o tamanho do ridículo, eu também me sinto “nacionalizado”.

E sinto-me “nacionalizado” porque passo os dias a pagar impostos. Os directos que me assaltam o ordenado e que dizem que serve para pagar os apoios a quem precisa — e isso nem me chateia por aí além — e os indirectos, que são assim uma espécie de bafo quente no pescoço e que todos pagam por igual.

No outro dia ocorreu-me como é cómico que a esquerda seja contra o imposto único sobre rendimentos, porque pensa que este deve ser progressivo, e em relação aos impostos indirectos já acha que eles devem ser únicos e aplicados por igual a todas as pessoas, independentemente dos seus rendimentos. E estamos a falar de muito, mesmo muito, dinheiro.

Mas voltemos à conversa da minha “nacionalização”. O gordo do Estado (sim, sei que também sou, mas não como à custa de ninguém), vire-me eu para onde me virar, cobra impostos por tudo e mais alguma coisa. Vou tomar a bica, ao supermercado, pagar a escola da miúda, comprar um par de sapatos, oferecer umas flores à mulher, e pago IVA a torto e a direito. Todos os anos pago o IUC para poder circular com o meu carro e, se o Estado decidir que a minha viatura é muito poluente, ainda pago um adicional por cima disso. Quando comprei o carro, paguei o IA e ainda levei com o IVA em cima dele. Pela minha casa foi o IMT e, depois de ser minha, o Estado cobra-me uma renda todos os anos (como se a casa fosse dele, tipo países socialistas) a que dá o nome de IMI. E ele é o Imposto de Selo, o ISP sempre que abasteço, quando fumava, o IT, e se for à Placa Central ou à Praça do Povo beber uma poncha, levo com o IABA.

Sou tratado pelo Estado como se dele fosse uma espécie de “teúda e manteúda”, como tão bem foi definida por essa personagem fantástica de Gabriela Cravo e Canela, o Coronel Coriolano.

Eu não sou meu. Tenho as minhas decisões condicionadas por uma máquina voraz que não olha a nada para se manter. Os impostos indirectos são uma verdadeira “mão invisível” do Estado que cai sobre mim a toda a hora e a todo o momento.

4. Toda esta enorme “barracada”, que tem sido a história do Mercadinho de Natal da Avenida Arriaga, provocou-me uma grande crise de “vergonha alheia”. Não concebo que a gestão dos nossos assuntos, porque é disso que se trata, seja feita por gente com tanta falta de jeito para o diálogo e, mesmo com ideias diferentes, com uma enorme incapacidade de entender que terá sempre de ser muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa.

É esse um dos pilares de qualquer regime democrático. E, por não entenderem isto, demonstram ambos, Câmara e Governo, uma enorme incapacidade de gerirem os assuntos de todos nós.

De confronto em confronto, de desentendimento em desentendimento, o Governo Regional decidiu resolver o assunto de modo socialista, demonstrando aquilo que é. NACIONALIZOU a Placa e arredores durante um mês e picos.

Acabo como comecei: este constante medir de forças, de competências, de atribuições, mais parece os putos a medir “pilinhas”. Estou profundamente envergonhado. E é vergonha alheia, porque eu não escolhi isto.

5. Entrar na empresa privada de prestação de serviços. Tirar senha. Não há bancos para sentar e esperar. A espera foi pouca. Ser chamado ao balcão correspondente. Contar ao que vou. Explicação breve e clara. Pedido reestruturação dos serviços prestados. Reestruturação aceite pelo funcionário que atendeu. Perante sugestão de novos serviços por parte do funcionário, acertam-se valores a pagar. Faz-se pagamento. Dou boa tarde e saio feliz! Perdi 10 minutos.

Na minha crónica da semana passada descrevi uma ida à loja do munícipe do Funchal para tratar de um assunto que teve o habitual desfecho de pôr-me a andar, de “Herodes para Pilatos”, durante muito tempo. Esta descrição é o contraponto. Um funcionário na empresa privada de serviços tratou de uma série de assuntos díspares, deu informações precisas e claras e recebeu dinheiro para que um pagamento fosse efectuado. Tudo isto numa sala com um balcão funcional e prático.

A comparação não tem como objectivo passar a ideia de que os funcionários públicos são piores que os do privado. Serve, isso sim, para destacar que as chefias de uns e de outros estão nos antípodas. Tenho muitos amigos funcionários públicos que são pessoas competentes e que se queixam da “máquina trituradora” que é a administração pública. Em vez de se simplificar, complica-se. Em vez de desburocratizar, procura-se dificultar. A máquina é enorme, devoradora de recursos, brutalmente cara e ineficiente.

6. Segundo o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Funchal, a oposição do PPD-CDSD, ao chumbar na Assembleia Municipal o aumento da “derrama” para o triplo do valor que tinha, vai impedir “um conjunto de apoios sociais” que a CMF presta. A saber: · bolsas de estudo universitárias; · manuais escolares gratuitos; · subsídio de arrendamento; · comparticipação em medicamentos.

Se bem pergunto, isto não são tudo coisas que já decorrem? Com 0,5% de “derrama” (não fui eu que trouxe a conversa para aqui) já não se pagam bolsas universitárias, manuais escolares, subsídio de arrendamento e comparticipação medicamentosa? Pergunto eu...

6.1. Interessante como em todas as declarações, que se foram lendo por aqui, sobre este assunto, feitas por pessoas com responsabilidades políticas, os apoios, quem os dá, é sempre a Câmara. Como sempre, a referência a quem paga para a Câmara dar é zero. Os dinheiros são da Câmara, é a Câmara que dá, se não fosse a Câmara... O respeito pelo dinheiro do contribuinte é nenhum. É é sempre o contribuinte quem paga!

7. Duas perguntas inocentes, ou nem por isso: para quando reduzir o IVA para os valores anteriores ao PAEF? Para quando desafectar o ISP do acréscimo que o mesmo teve por causa do PAEF?

Não está a economia a crescer há 75 meses?

8. E o ex-militante do PSD que foi expulso e recebeu um SMS para pagar quotas, até 16 de Dezembro?

9. Seguindo algumas teorias em vigor, não deveríamos ter comemorado o dia de ontem, pois é uma data fracturante... os espanhóis não gostam!!!!