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Dezembro de saudade e esperança

No tempo em que eu não era órfão, o último mês do ano era encantado, tal a profusão de cores, odores e paladares que sedimentaram as camadas nostálgicas da memória de tempos idos. Os rituais repetiam-se em alegrias calendarizadas no mês da Festa. Antes do mp3 digital, punha a rodar em 33 rotações, os vinis de Frank Pourcel, Nat King Cole, James Last ou o preferido Andy Williams, com temáticas natalícias que, quer no modo instrumental, ou no suave voz do norte-americano do Iowa quando interpretava a mítica canção «It’s the most wonderful time of the year». Ainda hoje essas sonoridades transportam-me para as memórias mais pretéritas, quando os cheiros das broas e dos bolos de mel libertavam-se da cozinha e perfumavam toda a casa outrora cheia de vida. As caixas com espiguilhas, bolas reluzentes e respectivas gambiarras, serpenteavam os recantos nas ramagens, pinheiros e presépios com algumas figuras centenárias, religiosamente conservadas há pelo menos 3 gerações. A cera no soalho, o aroma dos junquilhos junto do Menino Jesus, despertavam os sentidos da alma, e ainda me elevam de olhos cerrados porém, humedecidos. O tempo e a memória são a síntese do que somos, na forma como fomos amassados na bacia dos sentimentos. Tenho viajado ultimamente com pudor por esses tempos, tentando nada partir, tal a delicadeza emocional dessa experiência neste presente. Vacilo entre o privilégio desse passado recente e o (aparente) vazio do embaciado agora. Mas retenho esse manancial de prazerosos momentos com aquela saudade nas entranhas enfiada, ora por uma aguçada lâmina, ora sob um manto aveludado do uterino acolhimento a que lanço a mão no oco espaço.

Contudo e sem querer carregar em lamechices autodiegéticas quero em jeito de balanço, agradecer mais um ano a todos sem excepção. Mesmo àqueles com distintas opiniões sobre tanta coisa das espumas da vida. É essa riqueza da diversidade que a torna tão interessante, viva e bela. Que nos arrebita e induz à transformação. Por outro lado há mudanças em curso a que precisamos não apenas estar em alerta, como é necessária acção. Refiro-me às alterações climáticas que não são apenas ameaças, mas um perigo que se agiganta nos horizontes da nossa sobrevivência e dos demais seres com os quais partilhamos esta casa comum. Este problema já não é um alerta apocalíptico dum punhado de académicos alarmistas. Todavia, sou avesso a qualquer folclore, como aquele ícone “prêt-a-porter” daquela miúda sueca. O simbólico é importante, mas a necessidade é o motor prático da mudança. A transformação terá de começar por cada um de nós. E nesta época de tanto consumo e agitação mercantilista, bem que podemos tornar este tempo num AINDA MAIS “wonderful time of the year” para que conservemos mais “Natais” às vindouras gerações. Feliz Natal a todos!