Análise

Cumplicidades mil

Continuemos com os olhos postos na dança de cadeiras

Há um novo governo desde o dia 15 de Outubro, mas passadas duas semanas (42 dias após as eleições) a impressão é de que não há um novo executivo, mas o de sempre. Com uma ligeiríssima, mas importante diferença: está mais pesado e mais caro ao erário. Não fosse a fulgurante dança das cadeiras nos lugares da administração pública e a sensação de marasmo acentuar-se-ia. Lugares que ainda nem foram ocupados pelos militantes designados dos partidos que partilham o poder. Depois do ‘sais daqui, mas vais para ali’, ninguém ainda foi empossado. Este governo dá-se ao luxo de esperar semanas para começar a discutir o seu programa no parlamento. Na República, o mega executivo de António Costa fê-lo em quatro dias. Por cá ‘nada de novo sobre a Terra’, que isto remedeia-se em gestão e em duodécimos.

Enquanto a classe política se entretém com o puzzle das nomeações, os problemas permanecem e agudizam-se.

O que temos assistido com a extracção de inertes de ribeiras e praias é um escândalo monumental, que já gerou – finalmente - uma investigação do Ministério Público e uma comissão parlamentar de inquérito. Ao que parece (entra pelos olhos dentro) é que a operação é feita à margem da lei, na sequência de anos e anos de prática consentida por uma fiscalização inexistente e dócil. Uma fiscalização que consubstancia a face visível do falhanço absurdo da administração regional, perante ilegalidades aparentemente consentidas. Subtraem-se pedras e areia, que são transportadas de um lado para outro, à vista de todos, em plena luz do dia e ninguém – até agora – questionou rigorosamente nada. Há coincidências difíceis de engolir, tão descaradas que são. A vontade política e a falta dela esbarram na evidência cúmplice, entre um poder político subjugado a um leque diversificado de interesses económicos, emergentes da ‘Madeira Nova’, erigida pelo PSD de Alberto João Jardim, durante as décadas de ouro da construção civil. A teia frutificou e laborou perante a complacência e o fechar de olhos da cúpula directiva da ilha. O tema é melindroso e quem conhece os seus meandros só fala perante a garantia de não ser identificado, porque sustentabilidade ambiental e património natural são conceitos para entreter nos períodos eleitorais.

Perante a evidência, denunciada pelo DIÁRIO uma dúzia de vezes, sobre a ilicitude praticada a céu aberto, que fez o governo regional? Diz que é preciso criar um “novo enquadramento jurídico”. O que Miguel Albuquerque não disse, junto à Ribeira da Madalena do Mar, provavelmente porque não sabe (?), é que já existem mecanismos legais suficientes para regular todo o sector. Neste ‘jogo’ complexo e milionário (convém não esquecer que uma mão lava a outra) parece que todos foram apanhados de surpresa! Agora já não há desculpas. Informação não falta. E pronto, enquanto se aguarda pelas decisões judiciais e parlamentares, continuemos com os olhos postos na dança de cadeiras, que o programa de governo só é debatido na segunda semana de Novembro.