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Flashes

Na televisão, uma reportagem sobre a emergência climática. Todos temos a fazer mais contra o aquecimento global. Só à necropolítica, aqui e acolá, a resistência à vida. Entrementes, as plantas, as pirâmides do Egito, os bichos, o quindim de Iaiá, a cidade de Veneza, os seres humanos, o planeta azul, o Quilombo dos Palmares, o amor – tudo caminha para o cadafalso. Tudo é tão morte...

O meu amigo Crisolino escreve que é preciso reeditar Zumbi dos Palmares. O novo presidente da Fundação Cultural Palmares, instituição agora alienada para se rimar com Damares, propala a extinção do movimento negro e nega a existência de racismo no Brasil. O que pensar de um poder que defende que a Terra seja plana, não acredita na vacinação, ataca a atriz Fernanda Montenegro, não assina o Prémio Camões outorgado a Chico Buarque e não se livra do imbróglio no assassinato de Marielle Franco? Negar a brutalidade da História e resgatar o mito da democracia racial só agrava o abismo entre negros e brancos no Brasil. E a impressão é que aquilo se tornou numa Fundação Casa Grande e Senzala e que talvez nem seja descabido, perante tanta injúria racial, um Zumbi de novo...

Gosto de me pôr no lugar do outro e de sentir que ele não é o inferno. O inferno, se tanto, é o espelho que me olha, quase sempre neste engodo sem poesia. Terá sido de Baudelaire a frase de que o poeta goza do incomparável privilégio de ser ele mesmo e o outro. O privilégio da quintessência, suponho (desculpem lá, com vaidade).

Recebo uma petição online que não assino. É preciso mais sentido crítico da realidade. A identidade, quando em exacerbação acrítica, torna-se uma esfinge antropofágica que, além de devorar o outro, se devora. Decifremo-nos de forma mais criativa, mais desempoeirada e, sobretudo, mais livre.

Olha-se trivialmente para a cornucópia com frutas sobre a mesa. Imagina-se-lhe coroada de flores, apartada de algum unicórnio azul, coisa tão alheia a este 12º andar. Avista-se, duma banda, o casario antigo e, doutra banda, um arranha-céus a ser piroso nas suas luzes de casino.

Solidão, leitura da poemas de Elisabeth Bishop, jetlag, coisas do tipo. E a chuva escorre, lacrimal, pela vidraça. No lusco-fusco deste amanhecer, há pessoas que acordam. Em Macau...