Artigos

Gravitações

Caminhada

Levar de vencida esta caminhada não implica encolher o céu. Muito menos requer a conjugação dos verbos inefáveis Ou baixar a bitola da cidadania diante da mediocridade reinante. Ruínas, escombros, misérias, nada disto é ressonância da manhã em sino e revoada de pombos. Gravitam-nos poesia, subversão, revolução, mesmo que haja um silêncio que respire, arfando sorrateiro na escuridão do labirinto. Um silêncio traiçoeiro, pronto a parcelar as andorinhas na árvore. Um silêncio, um calado que aporrinha. Levar de vencida é decompor a crosta deste dia, tirá-lo do calendário e transgredi-lo para ampliar a solidão sem silêncio e em prateada. Ir-se de estua e de largada também em átimo. Moda lua...

Coringa

Os 132 degraus da escadaria entre as avenidas Shakespeare e Anderson, em Bronx, tornaram-se uma grande atração turística, graças ao filme “Joker”, de Todd Phillips. Com magistral interpretação do Joaquin Phoenix, não lhe faltando o “visual gag” só visto nas comédias de Charlie Chaplin, nem o dramático que remete à escadaria de Odessa, em “O Couraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein, a cena do palhaço nesses degraus . É a Gothan City da fantasia (felizmente desta feita sem Batman) acrescentando “soft power” real à cidade de Nova Iorque. Assim na arte como na vida...

A morte & a poesia

Oráculo algum dirá que a morte não seja uma premeditação. Só a poesia concede ao habitante do labirinto, seja ou não filho de Dédalo, o fio da meada assim como “cousa douda” (lá estás tu). A vida de per si é máquina que inexoravelmente em disfunção acaba em morte. De Manoel de Barros, releio que “as máquinas que servem para não funcionar: quando cheias de areia, de formiga e de musgo, elas podem um dia milagrar flores”. De facto, o poeta, quiçá pelo estado de vigília, olha diferente. Diferentemente, se quiseres. É claro que estou triste, não adianta fingir que não vou triste mercê do espesso novelo das perdas - ontem, morreu-nos a cantora Maria “Bia” de Sousa, - deixando o nosso cancioneiro mais lamentoso. A tristeza que abate todas as possibilidades significativas e desfralda os mínimos lugares esconsos. A tristeza urbi et orbe que, adoentando tanto e em horas minguadas, possa “milagrar flores”. E haja o fio da meada, como dizes a brincar, dessa cousa poética e douda, muito e cada vez mais douda...

Serenus

Lá no antigamente (e no tempo de Eugénio Tavares mais ainda) as serenatas honravam ou pleiteavam alguém, geralmente uma pessoa amada. Kuzas di kretxeu, em Cabo Verde...aleluia. Eram momentos românticos, trovadorescos e circunscritos, quase sempre de tocatina à noite e, de preferência, debaixo de uma janela ou de uma varanda. Depois, fomos incorporando outras valências da e para as serenatas, como aquelas tunas e outros coros académicos que se fazem em Portugal ou mesmo dos grupos contratados para as e homenagens a alguém, como ainda é uso e vezeiro no Brasil. Também a música erudita e clássica, bebendo à nascente da música popular, incorporou formas bem afluentes de serenatas (escritas para assinalar ocasiões especiais), e não me vou aqui a apontar este ou aquele, nem vá a canalha achar que ando a escorregar na maionese. Dizer apenas que, tal como lá no antigamente, à empena dos prédios ou no andante das ruas, as serenatas continuam a fazer sentido. Deixo-vos por isso com “New York City Serenate”. Bruce Springsteen...naturalmente.