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Minar a terra, para plantar semilhas

Há coisas que a gente do Norte, principalmente aquela da geração à beira da reforma, pensava que nunca ia ver acontecer, mas que a verdade é que estão já a ver com os próprios olhos. E em alguns casos ficam com eles bem arregalados. E, sem palavras, perguntam como é que isso é possível.

Uma delas é o que se está a passar com o tempo (clima). Já não é novidade para ninguém dessa geração que o tempo está mudado, mas o que o Borboleta da Ribeira nunca pensou ter de fazer era minar terra no início de outubro para plantar semilhas para a Festa (Natal) e ver carros a transportar água da ribeira de São Vicente para deitar na Levada da Fajã da Ama...

Foi este o mote para uma longa bilhardice no segundo domingo dos votos. Ele ainda nem tinha acabado de falar, já estava o José Serrote a abrir a boca para dizer:

- Pois, é isso. E se não for assim, tudo bem minado e tratado, não colhes nada.

- Lá isso é verdade! - intervém a Maria do Vale - Antigamente só se minava a terra de trigo no mês de Santa Isabel, para plantar a rama (batata doce) ou feijão, e dava mesmo sem tratar, era só regar.

- É verdade - diz o Borboleta -, mas esta rapaziada de agora não sabe nada disso, pensa que é tudo fácil. Às vezes no final é preciso a velhice ir dar uma ajuda. Mas como a plantação não é bem feita, o resultado nem sempre é bom.

E o Cantoneiro, que é raro aparecer por estes lados, e quando vem está sempre atento às conversas para depois ir bilhardar para São Jorge, pergunta:

- Estás a falar dos votos?

- Quais votos? Das semilhas para comer com a carne de porco assada na panela para a festa - esclarece o Mestre.

- Ah, pensei que era doutra coisa. Tem de minar, tratar, pedir ajuda à terceira idade, para colher alguma coisa para comer... desculpa, a minha cabeça foi logo para esse lado... E estavas a dizer que o resultado não foi bom... Como ultimamente não fala noutra coisa, fiz confusão.

- Pois é, lá isso é verdade - diz o Mestre José. - Para os teus lados parece que anda tudo baralhado, até já usam plástico para plantar batatas, para não falar doutras coisas.