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O Estado é um bicho papão?

Segundo dados divulgados pelo INE relativos a 2017, 96.2% das empresas em Portugal eram microempresas, que se caracterizam por terem cumulativamente menos de 10 trabalhadores ao serviço, menos de dois milhões de euros de volume de negócios anual e menos de dois milhões de euros de balanço total.

Porquê este tema para o meu artigo de opinião? Porque espelha a realidade de uma larga percentagem da população ativa do país, mas de quem se fala pouco e dá pouca importância. Por detrás das microempresas estão pessoas e famílias que se debatem todos os dias com dificuldades para manter o seu negócio e os poucos postos de trabalho que geram. Porém, é-lhes exigido um esforço exagerado de cumprimento de todas as obrigações fiscais, tornando-se muitas vezes, um exercício permanente de quase sobrevivência. Sem contar com outros problemas que estas empresas enfrentam, como sejam as dívidas a receber de clientes, a concorrência apertada, a economia paralela, o retorno de investimentos, etc.

Além da carga fiscal ser alta, as empresas portuguesas enfrentam constantes alterações da legislação fiscal e laboral, o que não contribui para a estabilidade e confiança do investidor. A essas alterações no sistema fiscal, acresce uma quantidade inexorável de obrigações declarativas, em muitos casos a relatar a mesma informação nas diferentes instituições do Estado (AT, Segurança social e INE), e com enquadramento sancionatório muito forte, que acabam por criar muitos custos de contexto à atividade operacional das empresas.

Por isso, como leiga absoluta na matéria e observadora atenta da realidade social da minha população, olho com grande preocupação para este setor, que ocupa largos milhares de pessoas. Defendo que devem ser dadas condições e estabilidade a estas microempresas, garantindo a sua sustentabilidade e assim, evitando situações de incumprimentos ou falência, que colocam as pessoas em risco social. Não será melhor para o próprio país que as empresas continuem saudáveis, gerando riqueza, do que o Estado ter de intervir com prestações sociais e apoios?

Para percebermos da carga fiscal sobre as empresas, sem entrar em grandes detalhes técnicos, quer fiscais, quer contabilísticos, dou um exemplo muito sumário de uma microempresa sediada no Funchal, que se dedica à compra e venda de material de bricolage. Pressupostos: 2 sócios trabalhadores com salário ilíquido mensal de 1000,00 euros, 2 empregados com salário ilíquido mensal de 650 euros; renda mensal ilíquida de 1500,00 euros; outros 1200,00 euros relativos a gastos mensais com seguros, comunicação, contabilidade, eletricidade, combustíveis, etc...; margem bruta de vendas 60%; volume de negócios de 400 000,00 euros/ano; todas as compras são vendidas e a empresa apresenta as condições necessárias para a distribuição de dividendos.

Com estes pressupostos, teríamos:

Contribuições para a segurança social um montante anual de 16 054,50 euros, correspondente a 34.75% dos salários, sendo 11% por conta dos trabalhadores e 23.75% por conta da entidade patronal. A título de retenções de IRS trabalho dependente teríamos um montante de 2 772,00 euros; A título de retenções de IRS prediais provenientes das rendas teríamos um montante de 4 500,00 euros. Quanto ao IVA, teríamos IVA liquidado das vendas no montante de 88 mil euros e de IVA dedutível cerca de 58 mil euros, entrando nos cofres do Estado 30 mil euros de IVA. O IRC a recair sobre os lucros da sociedade com taxa de 13% para os primeiros 15 mil euros de matéria coletável e 21% para o remanescente. O lucro da sociedade seria 60 427,50, o que daria um imposto a pagar de 9 539,78. A Derrama Municipal 0.5% sobre a MC o que daria 302,14 euros. Os sócios decidem distribuir os dividendos. Para isso, a empresa tem que efetuar, a título de retenção na fonte de IRS, uma taxa de 28%, o que daria um montante de 16 919,70 euros, ficando os sócios com 43 507,80 euros. Em suma, esta empresa “deposita” nos cofres do Estado 80 088,12 euros.

O princípio contributivo é essencial para manter o Estado Social, que eu defendo e preconizo, mas não deixo de refletir e colocar-me no lugar daqueles que decidem investir e gerar o seu próprio emprego, arriscando, ainda assim, a sua própria sustentabilidade económica. Prefiro, ainda assim, que o Estado estimule a autonomia dos cidadãos, dando-lhes condições para isso, do que ter de assisti-los socialmente.