Análise

“A verdade liberta”

“A consistência que deve ter a política vem de ter autonomia em relação aos media, coisa que cada vez menos acontece. E isso empobrece o discurso público e fá-lo andar ao sabor dos jornalistas e da sua eterna procura de ‘novidade’ e a sua enorme contribuição para o esquecimento”.

Ao lermos Pacheco Pereira na ‘Sábado’ percebemos que as visões mais redutoras do jornalismo, algumas das quais fomentadas pelos incautos da ‘classe’, para além de desfocadas, visam apenas desacreditar quem se dedica à grande causa da informação, sobretudo aquela que incomoda e questiona, que fomenta a transparência e a justiça, que escandaliza os que só agora se envergonham com a corrupção e que serve a cidadania nem sempre protegida dos predadores de votos e de consciências.

O primeiro pacto do jornalista é com a verdade, comprometa esta a sua família e amigos, o seu clube ou partido, os seus patrões ou até a boa imagem da Região. Tudo o resto é conversa a mais, essa sim, atentatória da credibilidade. Por isso, festejámos o dia mundial da Liberdade de Imprensa conscientes dos desafios e da necessidade de estarmos vigilantes para que ninguém nos tire o dever de escrutínio, mas focados no essencial, nos valores e na intervenção diária, feita de partilha de informação, tenha ela o poder de difundir conhecimento ou de divertir, de demitir ou de intervir.

Que a imprensa livre é um direito fundamental e pilar estruturante da democracia todos sabemos. Que não há independência editorial dos órgãos de comunicação social sem independência financeira idem. Que a degradação das condições laborais e a concentração dos media são ameaças até o Presidente da República dá como garantidas.

Mas mais do que reflexões estéreis e estereotipadas, vigilâncias pidescas e declarações infundadas, o que o jornalismo precisa é de acção, de boas práticas que fortaleçam o ofício de informar e de atitude criativa que nos tem levado a estar próximos de quem precisa e a superar as dificuldades que alimentam o fatalismo tradicional. Se assim for nenhuma tentativa de pressão e de silenciar as vozes críticas será consequente.

Ao revisitarmos artigos passados onde abordamos as liberdades condicionadas de expressão e de opinião na Região registamos com orgulho que a luta pelo pluralismo vingou, reduzindo a lixo as tribos activas de perfis falsos e de comentadores sem rosto. Que há uma maior consciência do Governo que, mesmo tendo ao seu serviço quadros com passado jornalístico, não tem competência editorial, nem mandato para impedir ou manipular o trabalho dos jornalistas, por qualquer via. E muito menos pelo insulto. Que são menos os que mendigam cobertura noticiosa, por já terem percebido que a publicidade nem tudo compra. Que as queixinhas sem nexo, expedientes que visavam impor como notícia aquilo que por vezes nem tem valor de anedota, pertencem ao passado.

O que não podemos tolerar é que a desregulação do mercado volte a imperar, mesmo que surja de forma encapotada. À anomalia que durante décadas foi patrocinada pelo executivo regional convém que não se sucedam outras habilidades que tratam por igual o que é diferente.

Contudo, caso os medíocres da política ou da economia queiram voltar a fazer estragos, sendo polícias das notícias, semeando o pânico e a auto-censura em algumas redacções ou promovendo boicotes, lembrem-se que quem assim procedeu saiu de cena sem glória.

Nesta profissão que é serviço, a pesquisa não é compatível com a preguiça, a proximidade é elementar e nada está garantido. Mas há valores para honrar e que não estão à venda. Citando o Papa Francisco, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou-nos por estes dias férteis em fake news e populismos que “a verdade liberta”.