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A mim não me enganas tu...

Alguns factos desta última semana não deixam dúvidas para expressar o refrão da popular canção dos anos 60, interpretada por Júlia Babo, que dizia “a mim não enganas tu”.

“Zarquices arqueológicas”

Uso, com a devida vénia, uma expressão emprestada de Raul Ribeiro sobre a falta de acompanhamento técnico arqueológico na Rua do Bom de Jesus, na proximidade de um edifício classificado. Na verdade, houve um incumprimento por parte da câmara em relação, por exemplo, ao número 3, do Artigo 45.º da Lei 107/2001: “As obras ou intervenções em bens imóveis classificados nos termos do artigo 15.º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, serão objeto de autorização e acompanhamento do órgão competente”.

Todavia, ficou, também claro, nesta situação, a “partidarização” do património arqueológico por parte da Direção Regional de Cultura em relação à Câmara Municipal do Funchal. Nem o recurso ao historiador Rui Carita (exímio “salvador da pátria cultural”, em tempos idos), foi suficiente para minimizar a lacuna. Os tempos são outros.

Efetivamente, gostaria de ver a mesma força por parte da Direção Regional de Cultura em relação ao incumprimento legal, por exemplo, das obras do próprio Governo no Museu Vicentes (sem acompanhamento arqueológico e com património cerâmico à vista), ou no monumento classificado da Fortaleza de São Baptista do Pico, também sem acompanhamento. Como ficamos? O Governo vê, parcialmente, os defeitos da câmara e ‘auto-silência’ os mesmos procedimentos em causa própria. Muito mau: para a cultura, para os governantes e para os profissionais que embarcam na ‘onda albuquerquiana’, sem rumo.

Curiosamente, o Governo Regional da Madeira, que se diz ultra autonomista, invoca diplomas gerais e específicos da República (Lei 107/2001 e o Regulamento de Trabalhos Arqueológicos - Decreto-Lei n.º164/2014), num sinal claro de incompetência legislativa, no que compete à regionalização de áreas e de atribuições estatutárias. Façamos um exercício: leiam esses diplomas e enumerem as competências e meios que o Governo Regional da Madeira teria que executar... até hoje realizou zero. Está na altura de virar o malho para o malhadeiro.

“Continuidade territorial engloba viajar todas as semanas?”

Apesar de vários intervenientes terem tentado minimizar o teor ou o alcance neoliberalista das declarações do vice-presidente do Governo, Pedro Calado, em relação às alterações ao novo subsídio de mobilidade apresento duas passagens, para bom leitor e entendedor.

Parte I: “Quando se fala que o Estado não pode continuar a suportar este tipo de custos, é porque uma coisa é o Princípio da Continuidade Territorial, outra coisa é saber se o Princípio da Continuidade Territorial engloba viajar todas as semanas entre a Madeira e o continente.” Pedro Calado, 30 de março de 2018.

Parte II: “Todos percebemos que é impraticável o Estado central assumir um encargo de 57 milhões de euros para um subsídio de mobilidade para as duas regiões, e por isso, os valores têm de ser revistos, como também a forma como o subsídio de mobilidade está montado (...)”. Pedro Calado, 30 de março de 2018.