Análise

A turma do barril

Tentativa de arrastar a imprensa para a lama só mostra a dimensão do desespero

As três eleições de 2019 já começaram a fazer estragos em vários quadrantes políticos. A transversalidade do disparate é tal que ninguém tem credibilidade com que se lave. A prova é que mal a imprensa revela prevaricações de eleitos, logo as centrais de intoxicação e de propaganda entram em cena com o propósito de desviar atenções, encobrir outros males e lançar novos escândalos, como se tudo tivesse o mesmo peso e alcance. Um crime com fuga, uma masturbação posta em vídeo, uma suspeita de infidelidade conjugal ou a falta de chá de quem mastiga pastilha elástica no parlamento não são comparáveis, por muito que alguns tentem confundir os planos e até fazer crer que as questões privadas nada têm a ver com a dimensão política dos envolvidos. Se assim fosse, Miguel Albuquerque não teria repreendido Luís Calaça no plenário mal o DIÁRIO noticiou o caso de polícia.

Na Assembleia Legislativa da Madeira, algumas das intervenções finais num debate que devia ser sobre o Orçamento da Região comprovam que a política anda perdida e insegura, ora a reboque das notícias, ora com medo dos efeitos colaterais que as mesmas provocam. O indisfarçável incómodo acabou por ser assumido por todos aqueles que dedicaram parte do seu tempo de antena às considerações sobre os critérios jornalísticos, em mais uma manobra inútil, mas reveladora de desespero. A reles tentativa de culpabilização da imprensa e de interferência nas opções editoriais, apenas por ter dado eco dos comportamentos merecedores de repúdio e de castigo, só prova a dimensão do receio instalado. Que mais estará para já escondido que cause tanta apreensão?

Quem não deve, não teme. Mesmo que seja previsível haver mais momentos execráveis numa assembleia que é notícia internacional por causa dos devaneios sexuais dos seus membros, que assim concorrem com ‘reality shows’ da pior espécie. Mesmo que seja crescente a convicção que os contribuintes patrocinadores da democracia pagam um custo elevado por um parlamento que passa o tempo a falar de questões municipais e que por isso devia ser pago de acordo com sua especialidade e não em função da sua presunção. Mesmo que por passarem os dias a fazer campanha contra terceiros levem o povo a questionar se deve pagar 48 deputados que deviam apenas ganhar como autarcas de terceira linha, voyeuristas ou figurantes de uma qualquer turma do barril, seja ele de pólvora, de cerveja ou de intrigas.

Urge acabar com a sucessão de episódios degradantes na política regional, muitos deles apenas possíveis porque os membros da irmandade protegem-se, tal é o amontoado de rabos de palha que têm atrelados aos seus percursos de vida. Mas essa higienização depende em primeiro lugar de quem jurou honrar valores e servir grandes causas e que volta e meia é notícia por estar envolvido em actos de corrupção, votos falsos, assinaturas por delegação, viagens fantasma, reembolsos ilegais, facilitismos e falcatruas de toda a espécie.

A sociedade madeirense está assim colocada perante um dilema: ou vota responsavelmente e define sem medo o futuro ou abstêm-se levianamente e contribui para o caos que tende já a instalar-se, pois muitos dos partidos e detentores cargos públicos deixaram de estar ao serviço do cidadão para se concentrarem na satisfação das clientelas que os sustentam.

O eleitorado consciente terá que construir o futuro colectivo desta Região que passa vergonhas devido às escolhas que fez. O povo é bem melhor do que aqueles que o representam, tem mais nível, é bem mais decente. Não foge às responsabilidades. Não se desculpa com hipocrisias. Não compromete opções. Mas como tem sido traído por um bando de medíocres e oportunistas tem que redobrar a exigência e a vigilância. De um deputado espera-se conduta irrepreensível, respeito pelo eleitorado, conhecimento e saber. O que muitos fazem para além do folclore habitual é tratar sem pruridos de governar a sua vidinha em função de interesses pessoais, é ofender o eleitor como se este não fosse capaz de pensar e de escolher.

Não admira que este cenário deixe em permanente inquietação a restante classe política que não está para apanhar por tabela. Entregar o cartão, refugiar-se em tarefas de maior valor social e dedicar-se à família muitas vezes lesada pela entrega à causa pública são caminhos mais frequentes e que ajudam a explicar a fraca militância de partidos que se gabam de ter 25 mil numa festa, mas confirmam ter dez vezes menos a votar nas ‘directas’. Já agora, aos que se dizem família, para ver se cola a ideia que são unidos, embora família não divida, ostracize ou persiga, importa avisar que a esperteza de ir buscar vídeos antigos e de compilar alinhamentos com caras que já se desligaram do partido, muitas das quais deixadas à sorte, é abusivo e de muito mau tom. E ficam desde já avisados que não contam com a imprensa livre para ser cúmplice de todos os atentados que liquidam sonhos.