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Reformas antecipadas - Porque não uma lotaria?

Imagine o leitor que fez um depósito a prazo numa dada instituição que lhe garante um conjunto de direitos entre eles o de receber um certo montante de juros ao fim do período. Suponha agora que a meio do prazo a instituição o informa que afinal não pode levantar o dinheiro ao fim do prazo mas que terá que esperar por um período muito mais longo. Dá-lhe, no entanto, a possibilidade de se quiser levantar a partir de uma data que a instituição determina terá uma penalização que resulta do facto de levantar antes da data muito mais longa que a instituição definiu... e a história pode não acabar aqui pois a instituição pode vir a decidir que afinal já não pode levantar em nenhuma data anterior aquela muito mais longa que foi instituída unilateralmente.

A história acima parece uma fantasia porque é difícil imaginar que tal se passe na realidade, só que a realidade parece ultrapassar a fantasia no que refere ao direito à reforma, ou seja a termos acesso ao dinheiro que ao longo dos anos fomos obrigados a descontar (não só os trabalhadores como também as entidades patronais) para um dia virmos a usufruir de rendimento sem termos de trabalhar.

O Estado desrespeitou os acordos tidos com os trabalhadores quando, sem qualquer negociação, resolveu aumentar de modo brutal a idade da reforma. Muitos, como eu, já devíamos estar reformados se quiséssemos, mas ainda nos faltam alguns anos para o podermos fazer. Ficou a esperança que podíamos vir a “beneficiar” do direito a descansar antes se aceitássemos que o valor da reforma tivesse um corte brutal (14% só para começar e mais 0,5% por cada mês de antecipação) ... mas a história continua...

Agora o Estado (ou Governo ou Ministro) vem dizer que afinal já não podemos ir descansar mesmo aceitando um grande corte no valor da reforma. Isso é só para quem começou a trabalhar e a descontar muito cedo (antes dos 20 anos) não é para todos. Assim quem tem 60 anos e começou a trabalhar aos 20 anos pode descansar se quiser, mas quem tem 60 anos e um mês e começou a trabalhar aos 20 anos e um mês já não pode descansar antes dos 66 anos e 5 meses ... alguém me consegue explicar a lógica da medida, a não ser uma maneira de proibir a reforma antecipada daqueles que mais contribuem para o sistema como é o caso dos licenciados?

Se a ideia do Estado (ou Governo) é mesmo fazer com que a maioria dos trabalhadores não tenha acesso à reforma antecipada (já que não tem coragem de a suprimir) então o melhor era fazer uma lotaria anual entre toda a população e quem a ganhasse ficava a saber que tinha direito à reforma antecipada. Deste modo não haveria injustiças relativas pois tudo era uma questão de sorte.

Termino lembrando que não permitir as reformas antecipadas é bom para as contas públicas no curto prazo mas no longo prazo é mau porque os valores das reformas a pagar são mais elevados e são pagas por longos anos.