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O Médico e o Carrapato

E assim continuamos a ter preferência pelo político experiente, que se faz necessário arrastando

O meu pai sempre teve uma forma peculiar de transmitir valores aos filhos. Para além do exemplo, a mais antiga e eficaz forma de ensinar, o meu pai contava-nos muitas histórias, ainda conta, felizmente. Numa dessas parábolas, provavelmente contada em torno do milho por embagar ou do feijão por debulhar, o filho de um médico, também ele médico, acabado de se formar, começara a trabalhar com o pai no mesmo consultório. Como o filho ainda não tinha experiência de prática médica, nem pacientes próprios, limitava-se a ajudar o pai no seguimento que este fazia aos seus doentes. Certo dia, em que o pai não estava presente no consultório, apareceu um dos pacientes mais regulares, e o filho tomou a iniciativa de o atender sozinho. O paciente, depois de consultado, agradeceu, pagou a consulta e, satisfeito, foi embora. Mais tarde, quando o seu pai regressou, disse-lhe: «Pai, aquele paciente que vem cá muitas vezes voltou hoje à sua procura. Como o pai não estava, resolvi atendê-lo. Sabe, pai, o único problema que tinha era um carrapato no pescoço. Com todos os cuidados que a medicina recomenda, arranquei-lho e desinfetei a ferida. O paciente saiu muito satisfeito...». O pai, com ar aborrecido, olhou o filho e respondeu-lhe: «Oh meu filho! Esse carrapato era o nosso sustento, e tu acabaste com ele...».

Recordo-me desta história quando vejo a sociedade ser espremida por quem ela própria escolhe para resolver os seus problemas. A sociedade está cheia de carrapatos e de interesses que vivem da sua existência. A sociedade procura insistentemente quem lhes resolva os problemas, sem se dar conta de que esses mesmos problemas resultam dos carrapatos que a parasitam. E a quem pede ajuda a sociedade? Invariavelmente àqueles que vivem da existência dos carrapatos. Pedir ajuda a alguém que ainda esteja fora do sistema? Que ainda não viva em conluio com os carrapatos? Que ainda seja inocente? Como o médico recém-formado? Não! Não tem experiência. Não! Não tem perfil. Não! Não tem apoio político nem económico... dizem. E assim continuamos a ter preferência pelo político experiente, que se faz necessário arrastando os problemas, embora nos dedicando toda a atenção e simpatia.

Da próxima vez que fizer uma escolha, na política ou na saúde, ou outra qualquer, pergunte-se sempre primeiro: Está ele comigo ou com o carrapato?