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O orgulho também morre de pé

Até esta tragédia, quantos de nós olhavámos para as copas das árvores e suas inclinações?

Há momentos em que a dignidade humana, o sentido de Estado e a verdadeira missão de serviço público se sobrepõem a qualquer diferendo político. A tragédia do Monte foi um desses momentos. Era a ocasião para o Governo Regional (GR), a Câmara Municipal do Funchal (CMF) e a Junta de Freguesia do Monte (JFM) estarem juntas. A dimensão da tragédia exigia uma elevação de carácter, pois foi algo que nos afectou como povo, porque atingiu pessoas que estavam no local num acto de mais pura devoção de fé e amor.

Não estive lá, mas, senti o choque da realidade e imaginei a aflição de quem queria ajudar e não sabia, ou nada podia fazer. Imaginei a dor das famílias afectadas. Custa tanto a partida de um ente querido, quanto mais desta forma.

Contrastando com o que se sentia na rua – consternação, solidariedade, entre-ajuda e apoio aos afectados – começou o jogo de “sacodir a água do capote” que deu lugar nas horas seguintes ao “jogo do empurra” na atribuição de culpas.

As vésperas de eleições autárquicas e a tentação de aproveitamento político sobrepuseram-se à exigência de respeito pela dignidade humana e à nobreza de carácter. Os momentos eram tão somente de consternação.

Estando as entidades oficiais no local a assistir à missa da Padroeira da Madeira quando se deu a tragédia e localizando-se a JFM junto ao Largo da Fonte, não seria esse o local e a hora certos para juntos serenarem a dor colectiva? Ao invés, fomos “bombardeados” com acusações políticas, numa estratégia clara de criar ruído, baralhar, criar dúvidas e, suspeições, para com isto obter vantagem política.

Haveria a mesma reação se a cor política da CMF fosse igual à do GR? E se, por um infortúnio, tivesse caído a árvore cortada nesta semana na Calheta e feito feridos? O discurso e a atitude seriam os mesmos?

Não sou especialista em ciência forense, nem jurista, nem mesmo especialista em agronomia ou engenharia florestal, e, por isso, vou aguardar pelos resultados dos inquéritos e das perícias dos especialistas. Quanto mais cedo as análises e perícias forem concluídas, melhor será para todos nós.

Certo é que todos nós ficamos mais atentos ao ambiente que nos rodeia. Até esta tragédia, quantos de nós olhavámos para as copas das árvores e suas inclinações? Estamos a aprender como nos incêndios. Fiquei a pensar que desde a escola primária fui educada para respeitar as árvores, preservar o meio ambiente e cuidar do nosso património. Lembrei-me do meu avô paterno a alertar de que não era bem como me ensinavam. De que toda a vida se plantou e cortou árvores. Reconheço que este assunto fez-me pensar. Continuo a dar valor à ciência e a opinião dos especialistas, mas, precisamos adaptar a ciência à realidade da nossa Região. Uma coisa é vivermos em terreno plano, outra é vivermos numa Região com orografia acidentada.

Existem perguntas ainda não feitas sobre as quais gostaria de ver reflexão. Se os terrenos não são da Paróquia, porque a diocese nomeou um especialista para acompanhar inquérito? E porque nomeou um advogado para acompanhar o processo? Prevenção? Mas quem vai procurar advogado se não está envolvido no caso? E está envolvido como? É efectivamente dona do terreno onde estava a árvore? Mas não foi a diocese que interveio impedindo quer a cedência da Fábrica Paroquial ao Grupo Folclórico Monte Verde, quer na utilização de um espaço para a criação da sede dos carreiros, obrigando que esta fosse criada nas instalações das casas de banho públicas, alegando ser proprietária dos terrenos? É melhor ver com atenção onde estava a árvore que caiu.

Se no Monte sabiam do perigo, como é que a Comissão de Festas do Monte promoveu a Festa? Depois da tragédia falam de perigo desde o Largo da Fonte até às Babosas, mas promoveram uma festa com aquela dimensão? Qual o papel das Juntas de Freguesias nestes casos? Só envia ofícios? Ainda assim, os seus ofícios nada alertam para a árvore em questão.

O que nos dizem os técnicos sobre o que aconteceu? O som cria vibração. Uma semana de som em elevados decibéis para a Festa e a queima sucessiva de fogo sujeitou o espaço a intensa vibração. Teve alguma influência na árvore caída? Não é hora de pensar sobre o ruído e seus efeitos? De regular estes pormenores nos espaços públicos? De termos consciência que o rebentamento de fogo, nestes casos, é desnecessário e serve apenas para queimar dinheiro? Teve também o rebentamento algum efeito?

Esperou-se dois dias e meio por uma actuação do Ministério Público num ex-libris da nossa cidade? E, esperou-se mais de uma semana para chamar a Polícia Judiciária? Porquê? E a culpa é de quem?

Termino afirmando que a tragédia no Monte foi um ACIDENTE com consequências trágicas. A árvore não estava sinalizada, nem ninguém efectivamente adivinhava que uma tragédia daquelas podia acontecer. Se alguém adivinhasse, confio que todos se tinham unido para resolver a situação. Mas quero saber as razões pelas quais isto aconteceu. Porque precisamos aprender e tomar medidas para que este tipo de tragédia não volte a acontecer.