Não são todos iguais...

Há gente que precisa de ajuda ou apenas de uma palavra de incentivo neste mundo louco cada vez mais virado para o egoísmo, onde há políticos que falam para folhas preenchidas por números, que decidem as nossas vidas em gabinetes cheios de cálculos e de estatísticas e que se esquecem, ou são forçados a isso, de encontrar a essência das pessoas

Gosto de escrever pessoas. Imprimir no papel o que têm para contar. Cravar no entendimento as suas lições de vida e tentar aprender sempre com a inevitável moral da história.

Gosto de escrever pessoas. De apanhar as conversas daqui e dali e de imaginar as suas vidas com altos e baixos. Quantos sonhos deixaram pelo caminho? O que criaram aquelas mãos? Que embaraços estarão escondidos naquele sorriso? Que mágoas ocultas carregam?

Que promessas falhadas deixaram cair?

Gosto de escrever pessoas e de dar os seus exemplos para que tantos outros saibam que provavelmente não estão sós. Há gente que precisa de ajuda ou apenas de uma palavra de incentivo neste mundo louco cada vez mais virado para o egoísmo, onde há políticos que falam para folhas preenchidas por números, que decidem as nossas vidas em gabinetes cheios de cálculos e de estatísticas e que se esquecem, ou são forçados a isso, de encontrar a essência das pessoas.

Gosto de escrever pessoas e de contar as suas dificuldades para que aqueles que estão habituados a discursar para “zombies” percebam que ali dentro há almas que precisam que olhem para elas com respeito e dedicação. Que merecem muito mais do que beijinhos e apertos de mão a três ou quatro meses das eleições.

«São todos iguais. Este ano vai ser a primeira vez que não vou votar! A menina ainda acredita nesta gente?» A pergunta foi dirigida à farmacêutica que respondeu com um sorriso, enquanto fazia a conta das caixas de medicamentos que estavam espalhadas no balcão.

O dinheiro não deu para tudo, tal como a sua participação cívica não deu para resolver os problemas de alguém que chega à velhice com uma reforma miserável. O homem do chapéu preto já perdeu a vergonha de pagar os remédios às prestações. O filho há de passar mais tarde na farmácia para levar o que falta.

Gosto de escrever pessoas reais, de mostrar as suas angústias para que muitos entendam que os números sentem... Elas cruzam-se connosco nas ruas e são as mesmas que, nesta altura, ouvem as promessas mágicas daqueles que as querem governar.

«Se não fosse bom, não andavam todos engalfinhados a querer ir para lá». Há qualquer coisa de verdadeira nesta sentença da Maria que, à beira dos 70 anos, ainda não recebeu a reforma de bordadeira que lhe é devida. Falta o papel. Qual papel? Há sempre um papel... falta o despacho. Qual despacho? De quem manda, pois claro!

Uma sociedade encrencada nas burocracias de gabinete que emperram e complicam a vida das pessoas, como é o caso da Conceição que emigrou para o Reino Unido e que, passados uns meses, teve de voltar à Madeira para «tirar um papel».

«As coisas não funcionam. À espera do consulado ou da embaixada uma pessoa morre...»

Morrer devagarinho, às partes, sentir as peças desagregarem-se da alma e tentar respirar fundo para encarar o dia seguinte. «A vida continua e mesmo que te desprezem, tens de arranjar forças para viver um dia de cada vez». O desabafo da Sandra está carregado de mágoa e desilusão. Fugiu da Venezuela com o marido e o filho para o refúgio mágico que conheceu por duas vezes durante umas férias. Passou a infância a ouvir o pai contar histórias de grutas metidas em serras verdejantes, do mar de cor intensa, das pedras do calhau, das gentes de alma pura, da paz e da segurança que se sente do vale à montanha e do mar à serra.

Fugiu porque andava à procura dessa segurança num país diferente daquele que a viu nascer. Encontrou aquilo que procurava graças à família que os acolheu de braços abertos. Já os vizinhos olham desconfiados para as roupas de cores garridas que secam no estendal lá da casa dos tios. «Parece que há gente que não nos quer aqui... Um deles disse-me para voltar para o meu país que aqui não há trabalho, mas esta também é a minha terra...»

Sim, esta também é a tua terra, mas compreende que nesse paraíso de que falas há muita gente habituada às suas quintinhas, onde cada um tenta ficar com o seu pedaço intacto e ainda há quem cobice o bocado do vizinho. Há quem leve malhas na praça pública por ter tentado levar uns patos de uma ribeira, há quem encolha os ombros quando se depara com injustiças, há muitos que odeiam só porque sim. Só porque precisam de descarregar as suas frustrações e há outros que pura e simplesmente já desistiram...

Mas sabes, nem todos são assim...

Não são todos iguais...

Respira...