Artigos

Receita de bolo xadrez

Mesmo quem nunca fez um bolo xadrez sabe muito bem que ali há mais do que um bolo, no mínimo dois, um claro e outro escuro, mas podem ser muitos mais, dando-lhe o colorido que se pretenda. Claro que, para além dos bolos que serão utilizados para sobrepor e intercalar anéis de diferentes cores, é fundamental não esquecer o creme e a cobertura. Pois bem, como contraponto a quem vê soluções únicas e milagrosas para o problema dos incêndios aqui na Madeira, ou mesmo a quem julgue que não há nada a fazer, proponho uma receita de bolo xadrez:

Bolo 1: Agricultura- reunir condições para que nos terrenos com aptidão para esse efeito, em torno e no interior dos aglomerados urbanos, sejam desenvolvidas atividades agrícolas.

Bolo 2: Pastorícia- reunir condições para que nos terrenos com aptidão para esse efeito, em torno e no interior dos aglomerados urbanos, sejam desenvolvidas atividades de pastorícia extensiva, adequando sempre o tipo de gado e o encabeçamento.

Bolo 3: Floresta- nas zonas de média e baixa altitude, desde que com aptidão e de forma ordenada, reconverter eucaliptais e acaciais em floresta de produção de madeiras e frutos com valor comercial acrescido. Em torno dos aglomerados urbanos desenvolver manchas florestais de espécies folhosas, resistentes à progressão de incêndios. Recuperar as associações vegetais autóctones de média e baixa altitude nas zonas de matos invasores e sem aptidão agrícola, pecuária ou florestal. Recuperar as florestas autóctones nas zonas altas (serras) da ilha.

Creme: Educação Ambiental- promover a literacia ambiental (conhecimentos, atitudes e comportamentos) relativamente à floresta e à prevenção de incêndios florestais, reestabelecendo a ligação da sociedade à terra. Este trabalho de educação ambiental deverá ser desenvolvido por profissionais qualificados e devidamente orientados, devendo ser dirigido a toda a sociedade, sem exceções, e diretamente nos contextos reais, socioculturais e económicos, em que vivemos.

Cobertura: Vigilância, fiscalização e primeira intervenção- cobrir totalmente o território com vigilância, em particular nos períodos de maior risco de incêndio, a qual deverá estar convenientemente articulada com uma fiscalização apertada no terreno e com um dispositivo rápido e eficaz de primeira intervenção no combate a fogos nascentes. Para a primeira intervenção no combate aos fogos, para além dos bombeiros, é da maior importância a existência de sapadores florestais e, sendo suportável financeiramente, um helicóptero.

Modo de preparação/montagem do bolo xadrez: Sobrepor e intercalar diferentes porções de agricultura, pastorícia e floresta de modo a que resulte num mosaico de descontinuidades ao longo do território, muito resistente à progressão do fogo. Nas zonas médias e mais baixas da ilha da Madeira, alternar pastorícia com espaços agrícolas e estes com manchas florestais, tudo em consonância com as infraestruturas públicas e privadas existentes no território e respeitando as curvas de nível. Nas zonas mais altas (serras) da ilha da Madeira privilegiar a floresta, sobretudo as associações florestais autóctones, as quais garantem a conservação da biodiversidade regional e atenuam a progressão do fogo. Barrar muito bem estas diferentes porções com uma dose generosa de educação ambiental e, por fim, cobrir tudo com muita vigilância, fiscalização e um bom mecanismo de primeira intervenção contras fogos nascentes.

A receita é simples e pode, para quem não a consiga implementar de uma só vez, ser seguida gradualmente até alcançar o objetivo final, uma paisagem em mosaico fortemente resistente à ocorrência e progressão de incêndios, e, além disso, económica e socialmente produtiva.