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O BICHO de PÊSSEGO!

Eu tinha uma prima, que se chamava Rita Lina, que em criança era muito irrequieta e agitada, sempre a mexer em tudo, ... e a minha tia-avó, a avó dela portanto, dizia a torto e a direito que tinha “bicho de pêssego”! E nós, primos mais novos - que só queríamos saber em jogar á bola - julgávamos que ela porventura teria, lombrigas. Naquele tempo, anos 50 e tal, havia muita gente que tinha lombrigas, ténias, enfim, parasitas intestinais, ... e havia poucos tratamentos eficazes para estes problemas. E como estas pessoas tinham centenas desses bicharocos no intestino ... estavam sempre a se mexer, nunca ficando quietas ... talvez para disfarçar a comichão que “levavam” dentro do corpo. E assim sendo, quando havia um caso com estas características, era logo rotulado de parasitose intestinal ... com algum erro de precisão no diagnóstico pelas carências técnicas próprias da época. Eis que, no início do século XXI, talvez um pouco antes, se chega á conclusão que o tal “bicho de pêssego” é afinal uma doença, uma entidade clínica, comum-mente reconhecida como hiperactividade, ou déficit de atenção, caracterizada com as siglas PHDA! Sendo os seus portadores, hiperactivos, hipercinéticos, ... confirmando talvez as caracteristicas reacionais da tal minha prima - que nessa altura perdi de vista, por essa parte da família ter emigrado. E, apesar da minha curta experiência nestas situações patológicas - que não são própriamente da minha área de trabalho - reparo que, muita gente que trabalha com crianças e com os problemas da sua educação, já fazem o “diagnóstico” da doença e a encaminham para o psicólogo ou para o pedo-psiquiatra - este sim, o técnico adequado para fazer a avaliação e o científico diagnóstico do caso. Constato que, há funcionários de creches, os quais, devendo somente informar ou passar a informação relevante, fazem já o diagnóstico, tentando limitar os acessos das crianças ás instalações, como se de uma doença infecto-contagiosa se tratasse. E não é tal a coincidência, que um dos medicamentos utilizados para o tratamento, tem o mesmo nome da minha prima - nem mais nem menos do que, Rita Lina. Parece até uma homenagem póstuma á minha prima, entretanto falecida ... sendo ela, quem pela primeira vez, me chamou tanto a atenção para o tal “bicho de pêssego”. Com uma divulgação “entre-dentes” ou de bôca-ouvido desta patologia infantil e juvenil ... tornou-se muito mais conhecida e os tratamentos para a mesma, começaram a ser utilizados de forma indiscriminada e não adequada. Os estudantes, no final dos cursos secundários e nos universitários, procuram a substância química utilizada para o tratamento - afinal uma substância do grupo das anfetaminas - para melhorarem as suas performances técnicas, melhorando acuidades e capacidades. Não seria de esperar outro desfecho, em especial nos cursos superiores, com uma competição, desregrada e voraz ... cada vez mais vocacionada para chegar, antes e mais cedo, aos lugares cimeiros. E pela velocidade meteórica da evolução das “coisas”, tudo ou qualquer químico, servem, para se ganhar uma prova e cruzar primeiro a linha da meta. Tal como seria no desporto ... se não houvesse o controle anti-doping - que serve ainda, e muito bem, como instrumento eficaz, para controlar muitos dos “venenos” e das “mentiras” instaladas á volta da competição desportiva!

Fica assim passada a informação da doença ou do sindroma - que deve ser sempre diagnosticado por um especialista - do seu tratamento, utilizando uma anfetamina - afinal uma substância de efeito potente no sistema nervoso central - que por motivos óbvios figura na lista das substâncias dopantes, no desporto federado.

Sem dúvida alguma, que os tratamentos - nos casos devidamente diagnosticado como déficit de atenção - resultam de forma brilhante, com excelentes resultados nas performances escolares. Não é de todo sensato que se utilize estes tratamentos em casos, menos evidentes, sem reconhecimento da doença. Mas como todos sabemos, ... no nosso País é fácil ter uma receita ou adquirir um medicamento mesmo sem ela. É talvez resultante da imaturidade da nossa democracia!

Percebe-se assim que a competição leal acabou, ... chegar ou ficar nos primeiros lugares é o “primum movens” e o objectivo ... e tudo conta e pode valer para o atingir. No desporto não é tanto assim ... há um jogo do gato e do rato, mas, ainda temos, disponível, um gato para caçar o rato, quando ele aparecer.