As “Raríssimas” deste País e a necessidade de maior escrutínio cívico do Terceiro Sector
As notícias que têm vindo a público sobre a associação “ Raríssimas” têm-me preocupado muito visto eu ser um dos defensores da importância do chamado Terceiro Sector ou Economia Social como um modo da sociedade civil colmatar as falhas do Sector Público e proporcionar maior bem-estar aos mais desfavorecidos ou necessitados de apoio.
A Economia Social engloba um grande número de organizações (61.268 segundo os dados do INE - Instituto Nacional de Estatística – para 2013) sendo que a maioria dessas organizações (31079) se enquadram nas actividades Culturais, Desportivas e Recreativas. Menos de 10000 organizações (9539) pertencem às áreas da Acção e Segurança Social.
Penso que, algumas vezes, pensamos em Acção e Segurança Social quando nos referimos à Economia Social como resultado do facto destas áreas representarem a maioria do emprego ou do valor acrescentado bruto (VAB) gerados da Economia Social. Por exemplo, em 2013, dos 215962,7 empregos (equivalentes a tempo completo) mais de metade (118007,6) estava nas áreas da Acção e Segurança Social representando 3,3% do emprego remunerado em Portugal, valor superior ao apresentado pela Agricultura, Silvicultura e Pescas para o mesmo ano. Outras vezes pensamos em Instituições Particulares de Segurança Social (IPSS) quando nos referimos à Economia Social por razões semelhantes pois estas instituições representam 60,4% do emprego remunerado na Economia Social.
Apesar da maioria das IPPS serem nas áreas da Acção e Segurança Social (77,1%) existem em outras áreas como o Culto e Congregações e Saúde e Bem-Estar, entre outras. No entanto, todas as IPPS não têm finalidade lucrativa, são constituídas por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos. Estas instituições não podem ser administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico. Deste modo as IPSS têm objetivos que são coincidentes com os de Estado sendo que este delega nelas parte das suas funções compensando, através de subsídios ou pagamento de serviços, o trabalho que as IPPS realizam.
Em conclusão, o que devia pertencer à sociedade civil (particulares) e, como tal, controlada por esta que financia e pede contas, passa a ser um misto entre a sociedade civil e o Estado, que usa dinheiro de todos nós, levando a uma situação em que os particulares acreditam que o controle está a ser feito pelo Estado quando parece, ao que vamos sabendo, que o controle não é feito por ninguém. No limite existem IPPS em que o financiamento é quase todo do Estado sendo organizações que pouco ou nada têm de particulares, mas que estão libertas do peso e controle que a gestão pública implica.
O caso da associação “Raríssimas” veio nos despertar para a necessidade de não deixarmos de controlar o destino que é dado, pelo Estado, ao nosso dinheiro e exigirmos que a transparência impere de modo a que os fins a que destinam as IPPS não sejam desvirtuados e não sejam levantadas suspeitas sobre todo um sector que tão importante é para os mais frágeis e necessitados do nosso País. É vital que as IPSS sejam dirigidas por voluntários (e há cada vez mais voluntários qualificados e aptos a fazerem-no) e não sirvam apenas para gerar empregos como uma espécie de extensão dos organismos do Estado, mas que este não assume como seus funcionários com todas as regras inerentes aos concursos públicos. Ora, há em algumas IPSS aqueles que sendo seus funcionários “bem-intencionados” se delas servem para exercerem cargos com alguma visibilidade pública, a que de outro modo não teriam acesso, sem terem a preocupação de esclarecerem a população que o trabalho que desenvolvem não é de índole voluntária, mas decorre do exercício do cargo profissional e remunerado que ocupam. Outro aspecto importante para que o caso Raríssimas nos alerta é para a necessidade de clarificação das relações entre o poder político instituído e as IPSS, pois casos há em que algumas IPSS do nosso País parecem mais ser uma espécie “jobs for the boys and girls” ou um mero trampolim político ou um corredor para os políticos, no poder ou não, fazerem currículo na “caridade”. É um imperativo de cidadania exigirmos a separação do trigo do joio e também a defesa de um Terceiro Sector mais transparente com o qual nos sintamos mais confortáveis, esclarecidos, tranquilos e motivados para continuarmos a apoiá-lo. Não confundir a árvore com a floresta é vital, mas tal não deve inviabilizar a nossa exigência perante um sector fundamental à sociedade portuguesa e de que, como manifestei no início deste artigo, sou um defensor.