O recreio
Lembro-me perfeitamente de descer a correr, saltando de dois em dois degraus, as escadas de madeira da escola primária da Carreira. Era o intervalo para o recreio e lá íamos ser crianças naquele minúsculo espaço. Havia um muro e uma árvore, que eram os meus locais preferidos. E invariavelmente, voltava de lá esfolado. Ora num joelho, ora num cotovelo, mas sempre com um sorriso na cara.
Os meus pais, não contentes com essas esfoladelas, levavam os meus irmãos e a mim, ao mar e à serra. Andávamos, perdão, corríamos no calhau. Explorávamos todas as rochas, todas as pequenas poças. Mas também subíamos árvores nas montanhas, escalávamos pequenas paredes de pedra, sujávamos as mãos na terra. E corríamos. Corríamos para todo o lado! Para o mar, para a escola, montanhas acima, vales abaixo. Descobrindo o enorme prazer que é simplesmente viver. Tínhamos essa liberdade.
Não sei se os meus pais tinham consciência disso, mas estavam a desenvolver algo que nos ajudaria para o resta das nossas vidas: literacia motora!
Por incrível que isso possa parecer hoje em dia, tínhamos tempo para tudo! Para estudar, para ir à missa, para ver televisão, para estar com os amigos, mas acima de tudo, para brincar. E depois apareceu a prancha à vela e a infância, tal como a concebemos, não acabou. Apenas prolongou-se por mais 38 anos, vestida com roupagens diferentes, é verdade, mas com a mesma inocência e o mesmo propósito. Entretanto, os recreios artificializaram-se. O tempo esfumou-se em mochilas sobrecarregadas e tecnologia de ponta. E os arranhões praticamente desapareceram.
Praticamente, mas não totalmente. Há pelo menos um “recreio” que não foi cimentado e onde não é possível levar gadgets. É um espaço de conquista e de onde as crianças ainda vêm de sorriso na cara, mostrando orgulhosas um ou outro arranhão. Disponível todos os dias do ano, lindo, tão natural como sempre. O mar.
Feliz Natal!