Artigos

E que se faça o tão (des) acostumado investimento!

Está bem presente na consciência coletiva que a justiça em geral e o funcionamento dos tribunais em particular, são demorados. São vítimas da sua própria exigência e por muitos encarados como entraves ao desenvolvimento económico do nosso país. Além disso, é unanimemente aceite que foi sempre assim, que assim é e porque não continuar a sê-lo, se afinal de contas sempre assim foi.

Os créditos que na pendência das ações deixam de poder ser recuperados, as ações de despejo que demoram largos meses ou anos a serem resolvidas ou as marcações de julgamentos que tardam em chegar, sedimentam aquelas ideias na consciência das pessoas. Mas qual a razão de fundo para esta falta de sincronização entre o tempo necessário para julgar bem e a eficiência de uma sentença?

Pela sua génese e pelos propósitos a que serve, a justiça - e mais concretamente as decisões dos tribunais - têm de ser ponderadas, refletidas e proferidas em espírito de absoluta liberdade, sem constrangimentos impostos por prazos ou timings de qualquer natureza. Como pilares estruturais de qualquer estado de direito democrático, assim devem continuar.

O verdadeiro problema no funcionamento da justiça e dos tribunais reside na falta de investimento por parte do Estado, no sentido de criar condições para que haja mais tribunais, juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais envolvidos no processo da tomada de decisão. A solução é simples: que se mantenham todos os procedimentos razoáveis e necessários para uma tomada de decisão justa e ponderada, mas que se aumentem o número de tribunais, juízes e demais operadores judiciários.

É verdade que se trata de um grande investimento, mas que terá um retorno incomparavelmente maior. Desde logo, a confiança das pessoas e das empresas na eficiência do recurso aos tribunais e a maior circulação de dinheiro na economia através de cobranças oportunas porque atempadas. As pensões de alimentos que passam a ser efetivamente pagas ou os imóveis que regressam rapidamente ao mercado para serem vendidos ou arrendados são alguns dos exemplos práticos e naturais deste retorno. Mas não.

O Estado desinveste. Aumenta o valor das taxas de justiça, fazendo com que menos litígios cheguem aos tribunais, tentando solucionar o problema da lentidão e da falta de resposta, através da negação dissimulada do direito à justiça. Ou seja, em vez de adaptar as infraestruturas e os agentes da justiça às necessidades do mercado e das pessoas, o Estado tenta encaixar essas necessidades nas condições existentes, que ainda por cima já são insuficientes. Subversão pura.

Os processos de inventário nos cartórios notariais ou os tribunais arbitrais também são testemunhos notórios desta falta de aposta no investimento. O Estado delega em terceiros a sua função de garante da justiça para, entre outros, atenuar os efeitos da sua inércia e da sua má gestão nesta área. Por seu turno, a reforma do mapa judiciário aprovada em 2013, que já foi inclusivamente alterada em 2016, não mais veio do que baralhar as cartas e estou em crer que os seus números timidamente otimistas não são mais do que o reflexo dos primeiros sinais de retoma económica e da seleção natural do mercado, e não a expressão de uma gestão eficiente e dotada de recursos.

O Estado tem de se consciencializar de uma vez por todas, que o investimento na justiça é fundamental para a tutela efetiva dos direitos das pessoas. É fundamental para a satisfação das necessidades das empresas. E é um pilar de suporte para o desenvolvimento económico e financeiro sustentados. É certo que não podemos misturar a justiça com dinâmicas do mercado, mas não é menos certo que aquela terá sempre que dar resposta às exigências deste e isso só se consegue com investimento.