País

Jovens activistas rejeitam relatório médico para mudar género no registo civil

None

‘Pedro’, 18 anos, iniciou há um mês as injecções de testosterona para mudar de género, processo que descreve como “começar a puberdade certa”, e espera conseguir ter o seu novo nome no diploma do final do ensino secundário.

O jovem foi uma das cerca de 40 pessoas que se concentraram hoje em frente ao Palácio de Belém, em Lisboa, para protestar contra o veto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ao diploma sobre identidade de género, que permite a mudança da menção do sexo e do nome próprio no registo civil a partir dos 16 anos, e que resultou de uma proposta do Governo e de projetos do BE e do PAN.

Marcelo Rebelo de Sousa pediu ao parlamento que “pondere a inclusão de relatório médico prévio à decisão sobre a identidade de género antes dos 18 anos”.

“O relatório eu não preciso, chama o Marcelo e eu dou-lhe um aviso” ou “Ó meu rico Santo António, ó meu santo popular, diz lá ao Marcelo para ficar no seu lugar” foram algumas das palavras de ordem entoadas pelos manifestantes, na sua maioria jovens, que rejeitam a obrigatoriedade do relatório médico para proceder a esta alteração no registo civil.

Adriana Afonso, do movimento Resistência Queer, que convocou o protesto, afirmou que o Presidente da República acredita que os jovens menores de 18 anos poderão arrepender-se mais tarde da decisão de mudar o cartão do cidadão.

“Estamos aqui para dizer que não nos conformamos, porque prolonga o sofrimento dos adolescentes ‘trans’ [transgénero]. O processo [para obter o relatório] é muito mal feito, demora muito tempo, as perguntas são discriminatórias”, comentou.

“Não percebo por que é que o Presidente exige um relatório médico do registo civil, quando o mesmo não é feito para alteração de estado civil. É uma questão ideológica, que exige um controlo médico sobre os nossos corpos”, afirmou Alice Cunha, do movimento Panteras Rosa.

Para a ativista, a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa foi “um veto ideológico, sem qualquer argumento constitucional, a partir das opiniões do Presidente”

“Apelamos à Assembleia da República para não ceder a esta chantagem, tem de manter o seu comprometimento político com a luta ‘trans’”, disse Alice Cunha, que pede também ao PCP para que vote favoravelmente a nova iniciativa - os comunistas abstiveram-se na votação do diploma agora vetado, que passou com os votos a favor de PS, BE, PEV e PAN e da deputada social-democrata Teresa Leal Coelho e que teve os votos contra de PSD e CDS-PP.

Sacha Montfort, do movimento Transmissão, defendeu que “esta lei não é para os transfóbicos, é uma lei de autodeterminação para as pessoas ‘trans’”.

“Todos sabemos quem somos, não precisamos de relatório médico para avaliar as nossas identidades”, sublinhou.

A deputada bloquista Sandra Cunha juntou-se ao protesto contra o que disse ser “um veto à autodeterminação dos jovens a partir dos 16 anos”.

“Não compreendemos um veto a um ato que é meramente civil. Estamos a tratar da alteração de um nome e menção de sexo, que não tem nada a ver com tratamentos médicos ou cirurgias irreversíveis”, sustentou.

O BE considera que a alteração proposta pelo Presidente “não faz sentido porque garante direitos aos maiores de 18 anos e nega esses direitos aos menores”.

Sandra Cunha não avança ainda qual poderá ser a solução do parlamento, afastando a possibilidade de “dar o poder a terceiros de dizer quem é que as pessoas são ou deixam de ser, porque isso só a própria pessoa é que sabe”.

Recorrer a testemunhas, um atestado a garantir que a pessoa está devidamente esclarecida ou uma declaração de honra da própria pessoa são algumas das hipóteses em cima da mesa.

Ao abrigo da lei em vigor, ‘Pedro’ está a aguardar que chegue o relatório que lhe vai permitir colocar o seu nome novo e o género masculino no cartão de cidadão.

Uma alteração que, garante, vai mudar muita coisa na sua vida: “Vou deixar de ter medo de ir à discoteca”, disse, relatando o constrangimento de mostrar um cartão de cidadão em que ainda aparece um nome de rapariga. “É violento”, comentou. E vai passar a ir às casas de banho para homens.

“Não vou a casas de banho públicas, porque tenho medo de agressões. Há coisas que acontecem e nós temos de ter cuidado”, disse.