O subsídio encapotado
É um governo de esquerda que na generalidade até que vinha surpreendendo positivamente, que se recusa a negociar mudar um sistema que, em última instância, prejudica os mais pobres, os mais desfavorecidos, os que foram menos bafejados pela sorte. E isto é intolerável, discriminatório e inaceitável
Já muitos deram opinião sobre este assunto de forma meritória. Escusava de o fazer. Mas não resisto a introduzir uma achega que visa complementar o que já se disse e que resumo em dois pontos e numa história.
Ponto 1 - O defeito principal do sistema em vigor tem a ver com a ilimitada capacidade da TAP para aplicar os preços que entender às viagens. Isto pode não ser do agrado da generalidade dos passageiros, particularmente dos estudantes, mas a maioria acaba sempre por viajar. Sejam mais ricos, da classe média ou desenrascados. Mais tarde vão para os CTT, fazem fila, o que é um aborrecimento, e depois de alguma espera, recebem o dinheiro pago a mais e a coisa passa. Então quem são os efectivamente prejudicados? Os mais carentes. Os com menos possibilidades. Os que não têm para adiantar. Como os jovens universitários, cujos pais já se esforçam para tê-los lá fora, mas não possuem para antecipar quantias elevadas para trazê-los cá. Por exemplo, para passar o Natal, merecidamente, junto dos seus. Injusta desigualdade.
Ora, apesar das estruturas partidárias locais congéneres terem manifestado outra posição, é um governo de esquerda que na generalidade até que vinha surpreendendo positivamente, que se recusa a negociar mudar um sistema que, em última instância, prejudica os mais pobres, os mais desfavorecidos, os que foram menos bafejados pela sorte. E isto é intolerável, discriminatório e inaceitável.
Ponto 2 - Depois há uma outra questão no mínimo suspeita. A União Europeia não permite auxílios de Estado às empresas que ponham em causa a livre concorrência do mercado, incluindo naturalmente as de transporte aéreo. Ora o governo português ao consentir que a TAP explore de forma escandalosa os preços das viagens para a Região (prejudicando também o turismo continental) não faz mais do que permitir que esta obtenha por via do orçamento nacional o remanescente entre o valor do bilhete e o que acaba por ser pago pelo viajante madeirense após o reembolso. Quanto mais caro o bilhete mais vão buscar. Logo, é uma forte possibilidade estar a financiar-se encapotadamente. No que, no meu modesto entendimento, pode, nesse caso, configurar-se como uma ajuda de Estado disfarçada. Porque não se sabe, nem se controla, onde acaba o bolo destinado a esta conta da responsabilidade da República. Sendo assim a questão do subsídio ser ao passageiro torna-se num logro. Se denunciado fica difícil de explicar em Bruxelas.
E o facto de outras companhias gozarem de igual prerrogativa não abala nem afasta a dúvida que nos assiste.
A história - O meu filho foi mais cedo para o aeroporto e quando fez o check-in avisaram-no que o voo para o Funchal estava atrasado cerca de uma hora. Dirigiu-se ao bar, comeu uma sandes e continuou por ali a estudar até que anunciassem a partida. Como a chamada tardava dirigiu-se à porta de embarque, antes da hora prevista e, com estupefacção, ouviu quem o atendeu dizer que o avião já estava para levantar. Reclamando, perguntou pelo atraso que antes lhe fora transmitido. “Pôde sair mais cedo e nós chamamos pelos passageiros”, respondeu a funcionária indiferente ao desespero do pequeno. Este garante que no café onde se encontrava, próximo dali, não ouviu aviso nenhum. Tanto assim que ao lado dele, outro queixoso, reclamava do mesmo.
Mas o que interessa salientar é que o rapaz ficou sem a viagem que custou 430€ e para ainda conseguir vir nesse dia teria que pagar mais 220€ sem direito a qualquer devolução. Isto é, um percurso cuja importância final prevista era de (65€+30€) passou a somar uma despesa de 650€!
Logo pela manhã dirigi-me à agência que me confortou parcialmente informando-me que o reembolso em relação aos 430€ seria possível mas quanto aos 220€ já não. Isto é, a deslocação passou a valer 315€ (220€+65€+30€) e só não foi 650€ porque parece poder haver restituição em relação ao voo que ele não fez. Mas já não quanto ao que efectivamente realizou. Baralhadas aéreas. Sempre em nosso prejuízo.
E de quem foi a responsabilidade desta situação afinal? De quem chegou muito tempo antes ao aeroporto e ficou à espera até à hora que lhe anunciaram ao balcão ou da transportadora que gere os clientes como trata de mercadoria e explora-os sem hesitações na primeira oportunidade? Para os prepotentes é o miúdo que paga e tem de ter o dinheiro à mão senão não viaja! E se ele não tem? Ali, disponível naquele momento? Qual o estudante que anda em Lisboa com 220€ no bolso? E quantos não têm? E quantos não podem? Ficam em terra! E que se lixem. Esta insensibilidade é revoltante.
Porque, ao invés, era a companhia que deveria indemnizar as pessoas. As que, negligentemente, deixou para trás, causando-lhes danos e inconveniências nem sempre supríveis e quantas vezes irremediáveis.
Como esta todos os madeirenses têm histórias para contar. Por si só não é relevante. Mas os dois pontos anteriores poderão ser.
A pretensão é contribuir para forçar quem de direito a renegociar o sistema que salvaguarde os que tão injustamente acabaram por ser tratados nesta primeira vigência, os que têm menos possibilidades económicas.
E, por outro lado, denunciar os abusos frequentes, na determinação do preço das passagens, na imposição injustificada de multas e sanções ou na eventual forma dissimulada de subsidiar a empresa. Apesar do que recebem do Estado para supostamente prestarem um serviço público.
É tempo de rever tudo isto. E exigir melhor no futuro. Porque, já percebemos, que eles precisam tanto de nós como nós deles.