Crónicas

Secção de papelaria

A secção de papelaria está virada do avesso, o bom senso ganha, não vou levar um bloco de notas, que ao menos isso aprendi nestes anos.

Eu gosto das secções de papelaria dos supermercados e gosto ainda mais nesta altura do ano, quando uma avalanche de pais e filhos passa por lá e deixa tudo fora do lugar. É puro saudosismo, eu sei, mas dou por mim a pensar que me fazem falta umas esferográficas e uns cadernos para apontar números de telefone e informações. Por causa do trabalho, digo sempre, embora saiba que tenho tudo de sobra, blocos, cadernos e canetas bic laranja, dão para todos os apontamentos que vou tirar este ano e no próximo.

A verdade é que tenho saudades de ser assim como as miúdas que escolhem cadernos com as mães, aquelas de calções e sapatilhas Stan Smith, com 16 anos, bronzeado a condizer e ar entediado de quem estava melhor noutro lugar ou a passar os olhos pelo telemóvel. Por instantes vislumbro-me na ‘Maison Blanche’ a comprar um estojo, que foi do mais caro e mais bonito que tive, sinto o cheiro a novo do lápis e da borracha, dos cadernos de capa preta e parece-me tão bom ter outra vez 16 anos.

O tempo devia estar como agora, de céu azul e sol abrasador e eu teria um ar entediado (sem telemóvel que isso era coisa dos filmes de ficção cientifica), aquele que temos todos aos 16, que é quando descobrimos que sabemos tudo e melhor do que todos os outros seres humanos do planeta. E aquele ano foi tão importante, foi o ano da capa e do baile, da loucura de sair à noite sem pai, nem mãe, nem outro adulto além do meu irmão, que esperou por mim à hora combinada na porta do Casino.

Foi o ano das calças de ganga, das camisas unissexo, do cabelo escadeado e da decisão de ir estudar para Lisboa e um ano assim enche de vida qualquer espírito e perdura, dá sempre aquela impressão de que aconteceu há meia dúzia de anos até darmos de caras com as datas redondas. As datas redondas estragam tudo, não há como fugir, de 1987 a 2017 a conta é fácil de fazer, mesmo que pareça mentira ou injusto. Eu acho injusto que tenham passado tantos anos, que tantos anos tenham tanta vida e tantos erros, tantos disparates e dos quais me arrependo.

Eu devia dizer aquilo que se diz, de que faria tudo igual se vivesse outra vez e devia contentar-me em cortar o cabelo como devem fazer as mulheres depois dos 40 e colecionar receitas, são os anúncios que me mandam no Facebook, diz que são os adequados à minha idade. E na minha idade não devia perder-me como uma miúda de 16 anos na secção de papelaria com blocos e cadernos a cheirar a papel novo, a olhar para marcadores fluorescentes, a pensar como era a vida e os meus sonhos de há 30 anos.

A secção de papelaria está virada do avesso, o bom senso ganha, não vou levar um bloco de notas, que ao menos isso aprendi nestes anos. No resto, espero ter conseguido resgatar parte da miúda que fui, que me sobre ainda a esperança, um pouco de poesia para perceber o cheiro dos livros novos e de todos os nadas quotidianos como um banho de mar e o café acabado de fazer. E por muito que o Facebook insista não vou cortar o cabelo.