Crónicas

Renegociar

Cumpre ao Estado, segundo a Lei Fundamental do país, a obrigação de proporcionar a todos os portugueses, repito, a todos os portugueses, por um lado, a Saúde tendencialmente gratuita e, por outro, a Educação que deve ser extensiva a toda a população.

Venho defendendo, já faz tempo, que se deveria renegociar com o governo da república a regionalização da Saúde e da Educação que, desde o princípio, está totalmente a cargo do nosso orçamento. Estas duas pastas juntas equivalem a cerca de metade daquele documento financeiro principal. Já o era no tempo de muito investimento público e de muita construção.

A conta que fazia era simples. Cumpre ao Estado, segundo a Lei Fundamental do país, a obrigação de proporcionar a todos os portugueses, repito, a todos os portugueses, por um lado, a Saúde tendencialmente gratuita e, por outro, a Educação que deve ser extensiva a toda a população. São obrigações constitucionais.

Ora, ao ficarmos com essa responsabilidade depois da descentralização destes dois pelouros, acabamos por contribuir para que o poder central fizesse um bom negócio, livrando-se de custos que antes tinha exclusivamente à sua conta. Fizémo-lo num período que se justificava. Quanto mais sectores estivessem regionalizados mais depressa se desenvolveriam, atendendo ao atraso em que se encontravam na altura se comparados com os existentes no restante território nacional. Mas a procura da excelência, e uma enorme quantidade de carências constatadas desde inicio, obrigou a maior investimento, fez crescer gradualmente a despesa em cada uma daquelas áreas ao ponto de, hoje, conjuntamente, somarem quase metade da estimativa orçamental.

Que fazer então?

Discutir novas condições. Por exemplo, se simulássemos devolver essas competências suscitávamos a dúvida da criação de um problema ao orçamento nacional. Mas se conversássemos para novos ajustamentos talvez percebessem que lhes custaria menos. E daí pudessem assimilar que aquela eventual ameaça, a concretizar-se, seria bem pior do que se sentar à mesa para o efeito.

Com certeza que nos apontarão a cobrança de impostos, fazendo nossas as receitas, para tentar justificar que, por ai, perdemos o direito que vos venho falando. Mas não. Porque os rendimentos fiscais são manifestamente insuficientes tendo em atenção os gastos destes departamentos com fácil e inequívoca demonstração orçamental. Pelo que, o que estaria em cima da mesa, seria o diferencial ou o remanescente tendo já em conta as contribuições tributárias que arrecadamos. E os custos da insularidade que é outra interessante conversa.

Nessa altura, seria necessário acrescentar mais algumas razões, raciocínios e justificações. Designadamente e por exemplo, o que levam de volta ao continente cerca de sete mil académicos madeirenses a viverem e a aprenderem nas variadíssimas universidades espalhadas pelo país. Contando com residências, propinas, viagens, alimentação, material escolar, transportes terrestres, vamos colocar a hipótese de fazer uma média mensal de mil euros para cada aluno, sabendo que a larga maioria não chega a esta média. Mas, tendo outros, a minoria, tendência a fazê-la ultrapassar quando compram habitação própria. Estaríamos a falar de sete milhões por mês. O que equivale a dizer oitenta e quatro milhões por ano. Como estamos a falar de gastos permanentes, porque vêm uns estudantes de regresso uma vez licenciados mas vão outros no sentido contrário, devolvemos ao território nacional, só por conta da Educação, uma quantia que, por ano, se aproximará de um terço do seu orçamento.

Outro dos assuntos a suscitar tem a ver com o desporto, inserto neste ramo da governação e cujas enormes descriminações colocam os clubes e atletas da Madeira numa situação de desfavorecimento em relação às agremiações congéneres e praticantes do continente, de todo inadmissível para os dias que correm.

Na Saúde apresento só um caso. Entre vários a que poderia deitar mão. As forças militares, de segurança e os serviços de justiça por conta dos seus sub-sistemas sociais garantem tratamento hospitalar que depois teria de ser pago pelo Estado. De quem dependem aliás. Acontece é que a dívida acumula-se e, no ano transacto, já ultrapassava os dezasseis milhões de euros! Já não bastam as nossas dificuldades correntes e ainda temos de sustentar as obrigações que deveriam ser de outros? Não temos dinheiro para medicamentos e a República, muito pouco solidária, vai nos pregando calotes?

Estes são temas meramente demonstrativos. Muitos outros haverão para esgrimir e persuadir tanto numa área como na outra.

Retrocesso na Autonomia?

Só aparente. Pode dar essa impressão, que se recua um passo. Mas é para obrigar o poder central a convencionar outros termos, diferentes e melhores dos acertados no passado longínquo, para depois, verdadeiramente, avançarmos dois, se esse estratégico expediente for concluído com sucesso.

Porque mais importante do que a matéria política é a defesa intransigente, continuada e eficaz do que é melhor para os que estão ao nosso cuidado temporariamente, os cidadãos eleitores, neste caso os madeirenses. É a questão prática ou pragmática. E, para isso, é preciso ser sagaz, aproveitar as oportunidades e deitar mão da diplomacia sempre que esta for possível e trouxer efectivos resultados. Para termos mais autonomia. Porque no papel já a temos e evoluída. Mas sem dinheiro fica condicionada. Esse o principal problema do nosso regime descentralizado.

Naturalmente que o ambiente político tem de proporcionar o momento adequado para acertar um novo acordo. E será, com probabilidade, difícil. Mas não devemos perder de vista essa possibilidade. Poderíamos com isso retirar uma quantia interessante de despesa ao orçamento regional. Ficávamos mais à vontade para nos abalançarmos no pagamento também negociado e gradual da dívida, aliviarmos a carga fiscal que recai sobre os madeirenses e as nossas empresas e partirmos de forma consolidada para um novo ciclo de desenvolvimento sustentado. Claro que não basta renegociar estas duas regionalizações. Mas é uma, de entre outras iniciativas, que poderão ser pensadas visando a melhoria das nossas disponibilidades financeiras.

É difícil? É. Mas se temos argumentos não os desperdicemos. Porque quem não fala Deus não ouve. E então nestas coisas da Autonomia, sem ser necessário gritar é preciso falar alto, bastas vezes e durante muito tempo. Para a nossa voz atravessar o Atlântico. Até que um dia, finalmente, nos oiçam.

Salvo melhor opinião.