Crónicas

Recuperar para Viver

Só uma política com respostas múltiplas, tratando de forma diferenciada as diversas realidades, poderá conduzir a uma redução das carências habitacionais no arquipélago

O tema de hoje pode não ser muito interessante, mas é muito importante para milhares de famílias da Madeira. As carências habitacionais voltam a emergir como um grave problema da nossa comunidade. Apesar do enorme investimento realizado nos últimos 40 anos, na construção de fogos sociais, no apoio à edificação de apartamentos a custos controlados e na recuperação de imóveis degradados que tiraram muita gente das furnas, das barracas e de situações degradantes e que atenuaram, drasticamente, a falta de casas, a verdade é que temos, de novo, milhares de famílias a precisarem de um teto para viver melhor. A Investimentos Habitacionais não divulga o número de inscritos, mas sabe-se que só no concelho do Funchal, há 3.300 agregados em lista de espera para uma habitação social. Claro que em diferentes estados de necessidade e com causas diferenciadas.

O desinvestimento dos últimos anos no setor; a degradação do parque habitacional; a crise económica que levou muitas famílias a perderem as casas para os bancos ou a não arriscarem a sua compra; o empobrecimento da classe média; o aperto no crédito bancário; os temporais e incêndios ocorridos na Região que destruíram muitos imóveis; a desestruturação de muitas famílias; e, ultimamente, a pressão turística sobre o mercado imobiliário por via da dinamização do alojamento local que provoca uma procura superior à oferta, levaram a estas novas necessidades de habitação. Há casos dramáticos de necessidade urgente, de pessoas muito pobres, cuja resolução passa por construir habitações sociais e há outros que precisam de respostas mais complexas e que devem ser resolvidas através de um conjunto de medidas articuladas entre setor público- setor privado-banca-famílias.

A construção de grandes bairros sociais, realizada no final do século XX e no inicio deste século, não é hoje a solução, pois apesar de ter concedido uma casa a muitas famílias necessitadas, criou outros problemas de inserção social e de adaptação ao meio que, nalguns casos, levou a que estes complexos habitacionais em vez de fazerem parte da vida da Cidade, transformaram-se em guetos sem qualidade de vida e com graves problemas sociais. Felizmente, a Camara do Funchal e o Governo estão a intervir para recuperar estes complexos, mas falta uma adequada e eficaz “intervenção social” que responsabilize os moradores pelos seus prédios e pelos equipamentos comuns e lhes dê dignidade e um sentido de pertença à comunidade. De qualquer forma, é consensual que face às circunstâncias e recursos de cada família, as respostas têm que ser diferenciadas, usando vários instrumentos disponíveis, alguns já em aplicação, nomeadamente no arrendamento.

Destaco algumas ações que podem minimizar este grave problema: Aplicação à Madeira do PER (Programa Especial de Realojamento), em execução nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, destinado a resolver os casos mais urgentes; o Estado e as Regiões devem contratualizar com a banca a reintrodução da bonificação de juros para aquisição de casa por parte de jovens e por casais da classe média; disponibilização de terrenos públicos em direito de superfície para autoconstrução; isenção de pagamento de IMI pelo mesmo numero de anos da contração do crédito de habitação; isenção de taxas e licenças camarárias na construção de casa por casais jovens e famílias de menores rendimentos; plano de venda dos fogos sociais do Governo e das Autarquias ao inquilinos, a preços acessíveis, com receitas a reverterem para edificação de novas casas; a flexibilização e dinamização do PRID (Programa de Recuperação de Imóveis Degradado) e, finalmente, mas em primeiro lugar, as Operações de Reabilitação Urbana que não só podem vir a suprir a falta de habitações, como terão efeitos altamente positivos na revitalização de zonas históricas, na dinamização do comercio e na dinamização do espaço publico. Esta semana foi lançado o designado IFRRU 2020 (Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas), um programa nacional dotado de 1.400 milhões de euros dirigido a todo o país e a todos os Municípios, uma vez que abrange os grandes centros, mas também as pequenas localidades. Para terem acesso ao IFRRU, as Camaras têm que delimitar Áreas de Reabilitação Urbana, o que falta fazer na grande maioria dos concelhos da Região. Para além dos Municípios, podem ser beneficiarias outras entidades singulares e coletivas, públicas ou privadas. Com este Instrumento podemos ter muitas zonas das nossas freguesias e cidades regeneradas e destinar uma parte dos seus imóveis para habitação, repovoando bairros antigos, os centros e as zonas históricas. Há centenas de casas devolutas, degradadas e em ruínas na Madeira e por isso a prioridade deve ser reabilitar para viver e não apenas para alojamento local.

Estou convicto que só uma política com respostas múltiplas, tratando de forma diferenciada as diversas realidades, poderá conduzir a uma redução das carências habitacionais no arquipélago. Assim haja vontade política dos Governos nacional e regional.