Crónicas

Quase, quase de férias

Entre o que me espera e este tempo que falta, tenho ainda de me haver com os assuntos da casa, que não fique comida no frigorífico, nem roupa no estendal e mais um recado ao meu irmão, não vá esquecer de regar os vasos de violetas que estão em cima da máquina de secar roupa

Oito, sete, seis... ando a contar os dias que faltam para as férias, faço sempre isso como se fosse a caminho de uma aventura extraordinária, tenho aquele frio na barriga, aquele que dá na noite anterior aos dias importantes. Daqui até às férias há o trabalho e as voltas de todos dias, mas eu já me vejo a fazer quilómetros de estrada. Talvez vá comprar caramelos a Badajoz, talvez fique a remoer o cansaço e não faça mais do que comer e apanhar sol. Os livros para a viagem estão escolhidos e hei-de pedir ao meu irmão para tratar dos gatos.

Entre o que me espera e este tempo que falta, tenho ainda de me haver com os assuntos da casa, que não fique comida no frigorífico, nem roupa no estendal e mais um recado ao meu irmão, não vá esquecer de regar os vasos de violetas que estão em cima da máquina de secar roupa. E vou aproveitar cada entardecer porque sei que me faz falta, assim como as aulas no ginásio. A vida moderna tem destas culpas. As férias são boas, mas engordam e a comida é boa no sítio para onde vou.

Já não sei quantas vezes fui à Internet ver as fotografias, que aquilo parece tudo encantador e mais ou menos sem turistas, mas as fotografias nem sempre mostram tudo. O casario continua caiado de branco e, ao menos, a planície alentejana não mudou muito desde a primeira vez que a vi no ano pré-histórico de 1990. As vistas contam muito e mais ainda nestes dias de selfies e Instagram. Eu sei isso tudo, também tiro e ponho filtro para ficar ainda mais bonito, que nem sempre se consegue fugir deste tempo que vivemos.

E isso é tudo verdade, mas é também certo que tenho idade suficiente para saber que das férias ficam mais memórias do que aquelas que os telefones captam. O Instagram não conta as discussões para escapar ao lugar do meio do banco de trás, nem os desentendimentos na hora de escolher a música para 40 quilómetros de estrada ou a estação de serviço onde se deve parar. Ou aquela tensão à hora do jantar, onde moídos pelo dia, chegam as birras e os amuos. E também não falam das gargalhadas à mesa, da cumplicidade, dos passeios e das compras disparatadas ou desesperadas. No fim faltam sempre meias ou um casaco para o frio que aparece de repente.

O importante não fica no retrato, não há maneira de fixar aquele prazer de estar algures, numa noite de Verão, a discutir o futuro, a bola, o governo que carrega nos impostos ou a última moda de sapatos com os amigos que se conhece há 30 anos, que já nos viram mais novos, mais gordos e mais magros, com mais dinheiro e com menos dinheiro, mais felizes ou mais tristes, que nos aturam as manias e nós as deles, mas nem por isso deixam de partilhar as férias com entusiasmo de miúdos da escola, ansiosos por ir àquela praia no Alqueva ou a Elvas comprar ameixas em conserva.

É pena que faltem ainda estes dias todos, com tanto trabalho pela frente e muitas voltas para dar e tudo o que tenho de acertar com o meu irmão, que há anos trata dos gatos, os únicos que não gostam de férias. Também faz parte da história que me voltem as costas no regresso e o regresso também é parte das férias, mas ainda dá tempo para pensar nisso. Agora, na minha cabeça, vive apenas uma imagem da planície alentejana ao cair do dia debaixo de um céu cor de ametista.