Crónicas

Quantos são? Venham eles...

Espero que a moda de hostilizar os viajantes nunca chegue a estas paragens

Quantos são? Venham eles... Perigosamente, vai ganhando espaço, também entre nós, a infeliz tese, ou melhor a tolice, de que temos turistas a mais e que estes, em muita quantidade, põem em causa a nossa qualidade de vida, e na pior das hipóteses, a nossa identidade. Esta ideia peregrina nasceu nalgumas cidades europeias que, repentinamente, com a insegurança em destinos turísticos como a Turquia, o Egipto e a Tunísia, foram inundadas por grande número de viajantes europeus e de outros continentes.

Alguns líderes da opinião publicada e das redes sociais, uns conservadores exclusivistas, outros progressistas fundamentalistas, unidos contra a democratização do turismo e amplificados por militantes de qualquer contestação, começaram uma campanha contra estes magotes de turistas que, dizem eles, estão a pôr em causa a “autenticidade” das cidades visitadas e a “identidade” das suas populações. Este movimento já chegou ao nosso país e, sobretudo em Lisboa e Porto, ganha adeptos e agentes dispostos a travar esta “bárbara invasão” que está a dar cabo de Portugal e dos portugueses. Esta gente esquece um pequeno grande pormenor: são estes turistas que estão a aguentar o país e a região, a fazer crescer a economia e a criar emprego. É evidente, e não é preciso estes sábios nos virem dizer, que o aumento do número de turistas traz diversos problemas, nomeadamente tem custos económicos pois faz aumentar o custo de vida e eleva os preços no mercado do arrendamento e tem custos ambientais, designadamente com cargas maiores sobre determinadas zonas do território e com o aumento da produção de resíduos. Assim como satura alguns espaços e sítios frequentados por residentes. Mas este é o preço que temos que pagar por esses turistas deixarem milhões de euros nas nossas cidades e nas nossas ilhas. Os benefícios são, claramente superiores aos prejuízos. Vejamos o exemplo da Madeira: o turismo representa 25% do PIB e tem um efeito multiplicador sobre todas as outras atividades; calcula-se que por cada emprego criado na hotelaria são gerados outros seis postos de trabalho indiretos noutros setores; tem dinamizado a construção civil, o mercado de arrendamento e a reabilitação urbana com a recuperação dos centros históricos das vilas e cidades; tem contribuído para minimizar a desertificação do oeste e norte da ilha e pode ajudar à repovoação destas zonas, atraindo investimento e fixando jovens; no regresso a casa os turistas compram vinho, flores, bordados e artesanato e outros produtos, dinamizando o comércio; na estadia consomem nos hotéis e nos restaurantes produtos regionais, ajudando a agricultura e as pescas; acedem a monumentos, jardins e outros espaços, ajudando à sua manutenção; frequentam iniciativas culturais que dão trabalho a muitos artistas da região e, finalmente, a sua presença entre nós é a continuidade do encontro de culturas e de civilizações de que fomos percursores. É certo que, em determinadas circunstâncias, pode haver uma colisão de interesses entre turista e residente, mas aí compete aos autarcas e governantes usarem os instrumentos legislativos e legais ao seu dispor e terem uma estratégia concertada para compatibilizar os direitos de uns e de outros, bem como os dos hoteleiros e dos comerciantes. Veja-se o que se passa com a ocupação das ruas e com o ruído na chamada zona velha da cidade do Funchal. É verdade que o boom turístico e o aparecimento de inúmeros estabelecimentos de restauração e bebidas “expulsou” residentes e veio piorar a qualidade de vida dos que ficaram. Mas a questão é esta: era melhor ter mantido aquela zona como um local de prostituição e de droga, como antes acontecia? Claro que não, assim como é muito claro que temos que trazer mais residentes para aquela zona, estabelecendo um compromisso entre moradores, visitantes e comerciantes, sob pena de se artificializar o casco histórico da Cidade.

Esse compromisso é o que propõe a Organização das Nações Unidas ao ter proclamado 2017, o Ano Internacional do Turismo Sustentável. O setor representa hoje 10% da atividade económica mundial e, atualmente, 1 em cada 11 empregos é criado pelo turismo. A ONU considera que a indústria é decisiva para implementar a Agenda 2030, lutar contra a pobreza, promover o diálogo intercultural e a paz.

Espero que a moda de hostilizar os viajantes nunca chegue a estas paragens, e já agora saúde-se a iniciativa governamental “Descubra a Madeira-Turismo na Escola”, assim como se aguarda, há já demasiado tempo, que a Universidade ministre um curso superior de turismo.

Parafraseando alguém, apetece dizer a propósito do excesso de turistas: quantos são? Quantos são? Venham eles... que bem precisamos!