Crónicas

O Papa da gente

Francisco é uma dádiva de Deus. Posto no lugar certo no momento certo. Quando mais o Mundo, que perde os valores, fica conflituoso, extremado, radicalizado e em guerra, precisa

Chamam-lhe o Papa do povo. Podia ser o Papa dos pobres. Mas ficava um pouco redutor. Na verdade, estamos perante um Papa de todos. O Papa da gente. Que toda a vida dedicou preferente atenção aos que mais precisam. Mas falamos de alguém que se assume, de forma humilde, para além da Igreja a que pertence. Ele é dos católicos e dos outros, dos ricos e dos pobres, dos importantes e dos que o não são, dos mais velhos e dos mais novos, de todas as raças e de todos os continentes. Disponível para todos. Para andar ao lado deles. Para caminhar, como gosta de dizer. Ele é o Papa de todos. Mesmo dos que não se revêm nele. Por muito paradoxal que isto possa parecer.

Escrever sobre Francisco é um atrevimento. Ele está muito acima do que se possa exprimir. Mas não consigo deixar de o tentar. Tão só para mostrar o meu profundo respeito, admiração e gratidão por tudo o que diz e realiza em prol da paz, do amor ao próximo, da ternura, do afecto, da atenção que nos devem merecer os mais desfavorecidos, carenciados, desprotegidos, os que não tiveram sorte nesta vida, que é fácil para alguns mas difícil para muitos. Do bem que a sua palavra, escutada com atenção por todos, faz ao Mundo destrambelhado de hoje. Mas do seu exemplo também, que inspira, estimula e entusiasma, porque aquele que já foi o padre Jorge não é como Frei Tomás. Francisco é uma dádiva de Deus. Posto no lugar certo no momento certo. Quando mais o Mundo, que perde os valores, fica conflituoso, extremado, radicalizado e em guerra, precisa.

Se Jesus era assim ainda bem que me fizeram católico.

Bem vindo a Portugal, Santo Padre. O meu Papa. O Papa da gente.

FÁTIMA, O MEU DILEMA

Esta é a parte mais embaraçosa da conversa. Nossa Senhora de Fátima é minha madrinha de baptismo. Durante a infância achava uma chatice, nunca me dava prendas. Hoje estou grato à minha mãe ou ao meu pai, a um deles devo o privilégio. Dedico-lhe uma fé muito grande. Mas raramente lhe peço seja o que for. Acho que só uma vez, enquanto minha mulher fazia nascer o nosso primeiro filho, num dia de semana de manhã, fui rezar para a igreja da Sé. Não sei porquê. Porque sim. E prometi que esse meu descendente seria, como o pai, afilhado de Nossa Senhora de Fátima. E assim foi. Passou a ter dois lá em casa.

O “problema” é quando toca aos pastorinhos. Que viviam do que o campo dava, com diminuta escolarização (Francisco nem ia à escola), num país atrasado, miserabilista, pouco instruído, com demasiada ignorância exposta (e a sua inseparável irmã gémea, a ingenuidade) e extremamente crente e religioso.

E a coisa fica pior quando se chega aos “segredos”. Superficiais quanto baste. Do tipo, vai haver uma guerra. Fazendo-me lembrar aquele fatalista versado em tudo que dizia banalidades do género “vai chover” e um dia chove e ele tem razão. Reconheço que tenho muitas dificuldades. Independentemente da simpatia que Lúcia nos transmitia com a sua simplicidade, bondade e devoção, bem patentes nas escassas aparições públicas que teve em vida. Mas atenção, ter dúvidas não é ter certezas. Não é definitivo. Até porque, naturalmente, entendo a questão sob o ponto de vista meramente espiritual. No entanto não vou discorrer sobre o meu relativo cepticismo numa altura em que dois dos videntes se elevam à santificação, mais correctamente dizendo, canonização. Ficar-me-ia mal. Sinto muito respeito. Só podia ter. Porque não há Nossa Senhora de Fátima sem os pastorinhos. E, afinal, descrendo nessa crença ficaria sem madrinha. Eis o meu dilema.

Que jogo frequentemente para trás das costas em prol da fé que conservo, mantenho e me acompanhará até ao fim da vida.

Nossa Senhora existe sem os pastorinhos. Mas, a de Fátima, só com eles. Nada que não ultrapasse pensando no bem maior. É preciso que as pessoas tenham fé. E ajuda oferecer-lhes motivos para que isso aconteça mais facilmente. Que assim seja, pela fé. Que “faz crer no incrível, ver o invisível e realizar o impossível” .E por Nossa Senhora.