Crónicas

O Kim(zinho)

Esta predilecção da Coreia do Norte para pegar com a sua congénere do Sul, com o Japão e com os Estados Unidos tem explicação se atendermos ao passado conflitual e beligerante entre estas nações.

Com o despoletar da tensão internacional provocada pelas ameaças nucleares no Leste Asiático, procurei saber mais porque nestas coisas é sempre útil e conveniente puxar um pouco o fio à meada.

Esta predilecção da Coreia do Norte para pegar com a sua congénere do Sul, com o Japão e com os Estados Unidos tem explicação se atendermos ao passado conflitual e beligerante entre estas nações.

A Coreia, dantes uma só, sofreu durante 35 anos o domínio imperial dos japoneses tendo inclusive sido anexada e só se livrando desse jugo depois da II Grande Guerra Mundial. É exactamente nessa altura que a parte nortenha, com mais influência da então União Soviética, um dos vencedores da guerra, se separa da região meridional, onde exerciam ascendência os americanos, também um dos vitoriosos daquela batalha militar internacional. Passam portanto a coexistir duas pátrias na mesma península que se tornam inimigas atendendo à influência determinante dos Aliados que as tutelavam. A Guerra Fria entre estes acentuou a divisão que perdura até hoje. Uma comunista isolacionista, outra capitalista ou liberal. A inimizade levou à luta armada entre as duas. Seul chegou a ser invadida e ocupada. Até à actualidade nunca acordaram a paz. A questão com os EUA tem que ver com o apoio que este sempre concedeu ao lado sulista da contenda.

Ficam assim, de forma resumida, mais claras algumas das razões que levam Pyongyang a ter como inimigos preferidos aqueles três países.

A dinastia Kim governa os norte-coreanos desde 1945. Eles são Kim Il-sung, Kim Jong-il e Kim Jong-un. O primeiro foi fundador, primeiro-ministro e mais tarde eleito presidente dando inicio à sucessão de soberanos da mesma família. Intitulou-se “querido líder”, depois de ter tentado e falhado a reunificação das Coreias, foi paulatinamente deixando desaparecer os últimos vestígios de democracia até que faleceu e foi substituído pelo segundo. Que quis que o tratassem por “grande líder”, apesar de ser um minorca de 1,57m, e tornou aquele território numa ditadura feroz, afastado do mundo e sem respeito nenhum pelos direitos do Homem. Após a sua morte, seguiu-se o descendente já previamente escolhido. Logo apelidado de “líder supremo”, mantém os traços de culto da personalidade do seu progenitor, o despotismo, o comunismo puro e duro, a opressão que inclui a eliminação dos que não gosta, incluindo personalidades próximas por eventuais divergências ou só porque sim. Manteve a República Popular fechada ao exterior e entretém-se mostrando poderio militar de enorme perigosidade. Provocando e enervando os seus velhos rivais externos. Foi exercer o cargo com 26 anos. Politicamente um puto imberbe e inexperiente. Nesta altura está com 33. E, entretanto, o Mundo fica suspenso e sujeito à boa ou má disposição deste adulto com comportamento errático, irresponsável e infantil.

Porque não eliminam a ameaça (leia-se Kim) os seus inimigos bem experimentados na arte marcial e da espionagem? Os Estados Unidos porque são sucessivamente mal sucedidos. Diz quem entende que foi assim com Saddam Hussein, com Osama bin Laden, e com este dirigente problemático teriam com certeza a mesma dificuldade. Ninguém sabe onde dorme, muda de sitio com frequência e é protegido por forças de segurança vinte e quatro horas por dia. Contar com alguém internamente é coisa que não lhes assiste já que o tirano determinou o assassínio de todos os que mostraram alguma divergência com ele por mais pequena que fosse. Por sua vez os sul-coreanos anunciaram estar a treinar uma equipa cujo objectivo único é liquidar o opositor do outro lado da fronteira. Ora cão que ladra não morde. Não se anunciam estas coisas. Não vai morder. Resta o Japão, silencioso até aqui.

Quanto à diplomacia e às sanções, esqueçam meus amigos. É triste mas realista. Vamos ficar dependentes dos humores de circunstância do pirralho. Que em vez de estar ao computador, como os nossos pequenos na adolescência e os jogadores de futebol sempre, fazendo jogos bélicos virtuais, diverte-se com jogos de guerra reais.

A não ser que a China, potência predominante na Ásia e vizinha, queira fazer mais do que está fazendo. Puxar as orelhas não chega. Vai ser preciso mesmo uns açoites.

São bem demonstrativos da volatilidade caprichosa e malévola do sujeito alguns acontecimentos que foram expostos na imprensa asiática livre.

O seu tio, que chegou a ser considerado a segunda figura do Estado, foi preso numa reunião do partido e executado imediatamente. Ali mesmo. Acusado de traição. Só para que demonstrasse autoridade perante os demais.

Mandou matar o seu Ministro da Defesa por ter adormecido (não deve ter passado de um cochilo) num acto público em que estava presente e acrescentaram como justificação que não cumprira ordens.

O seu meio irmão, e portanto com legitimidade para um dia poder ascender ao poder, apesar de exilado no momento, foi abatido com poderoso veneno bioquímico por duas prostitutas que alegaram não saber o que faziam. Todas as suspeitas recaíram sobre Pyongyang e o herdeiro do regime totalitário.

Quem tira este homem do caminho? Na Coreia do Norte ninguém. Estão todos mortos. E o resto é o que se sabe.

Um dia esta criança grande, vai querer ganhar uma guerra e vai pôr o dedo no botão. Se não lhe tirarem o botão. Ou o dedo.